Em qualquer discussão sobre economia no Brasil, há um personagem que invariavelmente se apresenta como defensor intransigente do livre mercado: o "capitalista" brasileiro. Com um discurso afiado contra a burocracia estatal, os altos impostos e a suposta “intromissão” do governo na economia, ele se posiciona como o paladino do Estado mínimo. No entanto, a realidade, quando analisada de perto, mostra um perfil bastante peculiar – e contraditório – desse agente econômico.
O típico capitalista brasileiro é, antes de
tudo, um entusiasta da intervenção estatal. Mas não para todos. Apenas para ele
próprio – ou, no máximo, para seus pares. Se há algo que agrada profundamente
esse capitalista é a generosidade do Estado, desde que vertida em forma de
subsídios, isenções tributárias, incentivos fiscais ou contratos exclusivos com
empresas públicas. Trata-se de uma figura que opera num mercado que,
idealmente, deveria ser livre, mas que, na prática, é repleto de proteções
construídas sob medida para seus interesses.
O discurso
do Estado mínimo: teoria para os outros
A retórica liberal que clama por “menos
Estado” é onipresente entre os representantes do alto empresariado nacional. Em
seminários, editoriais e entrevistas, o capitalista típico brasileiro defende a
desregulamentação de mercados, a redução da carga tributária e o enxugamento da
máquina pública. Mas esse desejo de liberdade econômica tem um alvo muito
específico: os pequenos empresários, os trabalhadores e o chamado "andar
de baixo" da pirâmide social. Quando o assunto são seus próprios negócios,
o discurso muda de tom.
Nada encanta mais esse empresário do que uma
linha de crédito subsidiada pelo BNDES, uma isenção fiscal concedida por um
governo estadual em troca da instalação de uma fábrica, ou um contrato de
fornecimento bilionário com uma estatal. Nesse caso, o Estado é bem-vindo,
necessário e até virtuoso. O livre mercado, para esse capitalista, é ótimo –
contanto que não se aplique a ele mesmo.
Brasília, a
meca dos negócios
O capitalista brasileiro típico é também um
sujeito bem articulado. Sabe que, em Brasília, o poder político se converte
rapidamente em vantagem econômica. Por isso, cultiva amizades com
parlamentares, assessores, ministros e até mesmo com integrantes do alto
escalão do Executivo. Transita com desenvoltura pelos corredores do Congresso
Nacional, participa de jantares discretos e eventos patrocinados por entidades
empresariais, onde negociações informais acontecem longe do olhar público.
Não raro, esse capitalista constrói impérios
com base em relações de influência e favorecimento, mais do que por mérito ou
inovação. O lobby é uma ferramenta essencial do seu kit de sobrevivência. Ele
sabe que, no Brasil, o bom relacionamento político pode render muito mais do
que uma boa ideia de negócio.
O
capitalismo de compadrio
O modelo de negócios que muitos desses
empresários praticam é, na verdade, uma forma adaptada de capitalismo que
especialistas costumam chamar de “capitalismo de compadrio”. Nesse arranjo, o
sucesso empresarial não depende tanto da competição e eficiência, mas de
conexões pessoais, favorecimentos regulatórios e acesso privilegiado a recursos
públicos.
Empresas que operam nesse modelo são
frequentemente protegidas por barreiras alfandegárias, benefícios tributários e
regimes especiais de licitação. Quando enfrentam dificuldades, não quebram –
são resgatadas por bancos públicos, que compram dívidas podres ou injetam
capital por meio de operações de "salvamento" que beiram o escândalo,
mas são justificadas em nome da “preservação de empregos” ou da “estabilidade
econômica”.
O resultado é um sistema profundamente
distorcido, onde o risco é socializado, mas o lucro permanece estritamente
privado. Quando uma empresa se torna insolvente, o ônus recai sobre o
contribuinte. Mas quando é lucrativa, os dividendos são privatizados sem
qualquer retorno proporcional à sociedade.
O peso
sobre os ombros de quem está embaixo
Para o trabalhador comum, o pequeno empresário
ou o profissional autônomo, as regras são outras. Esses agentes econômicos
enfrentam um Estado burocrático, lento, voraz em sua cobrança tributária e
ausente na hora de oferecer suporte. Não há isenções nem contratos milionários.
O crédito é escasso e caro. O sistema é implacável para os que não possuem
padrinhos influentes ou conexões nos bastidores do poder.
A contradição do capitalista brasileiro
típico, portanto, está em querer um Estado mínimo apenas para os outros –
especialmente para os mais vulneráveis. Defende o corte de programas sociais, o
fim dos direitos trabalhistas e a redução de investimentos públicos em saúde e
educação. Ao mesmo tempo, exige a manutenção (ou expansão) de benefícios
direcionados a seu setor, sua empresa ou seu grupo econômico.
Um modelo
insustentável
Essa forma particular de fazer negócios mina a
credibilidade do próprio capitalismo. Em vez de estimular a inovação, a
concorrência e a produtividade, cria um ambiente de dependência do setor
privado em relação ao poder público. A verdadeira economia de mercado, que
deveria premiar o mérito, a eficiência e o risco calculado, cede lugar a uma
rede de proteção para os grandes e desamparo para os pequenos.
Além disso, esse modelo contribui para
perpetuar as desigualdades estruturais do país. Enquanto bilhões são
direcionados a empresas que já acumulam fortunas e influência, milhões de
brasileiros permanecem sem acesso a serviços básicos e oportunidades econômicas
reais. A concentração de recursos públicos nas mãos de poucos deslegitima a
política econômica e alimenta o sentimento de injustiça social.
Para onde
vamos?
Reverter esse cenário exige uma revisão
profunda da relação entre o Estado e o empresariado no Brasil. É preciso
estabelecer regras claras, universais e transparentes, que reduzam o espaço
para privilégios e favorecimentos. A política industrial deve priorizar a
inovação e a competitividade, e não a manutenção de feudos empresariais
sustentados por benesses fiscais.
Da mesma forma, o Estado precisa ser
eficiente, mas não ausente. Deve garantir condições mínimas para que todos
possam competir de forma justa, com acesso a crédito, infraestrutura, educação
de qualidade e segurança jurídica. Um país que valoriza o mérito e pune o
oportunismo não precisa escolher entre Estado forte e mercado livre – pode e
deve buscar um equilíbrio entre ambos.
Enquanto isso não acontece, seguimos com a
figura do capitalista brasileiro típico: um entusiasta do liberalismo para os
outros e um amante do intervencionismo para si mesmo. Uma espécie que floresce
no cerrado brasiliense, mas cujas raízes se espalham por todo o território
nacional – onde houver poder e dinheiro público à disposição.
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