O capitalismo em crise: um sistema no auge de sua contradição

 


O capitalismo, sistema econômico e social hegemônico nas últimas centenas de anos, encontra-se em uma encruzilhada histórica. Fundado na propriedade privada dos meios de produção, na acumulação de capital como principal gerador de riqueza e na alocação de recursos via mercado, o capitalismo consolidou-se como modelo dominante a partir da Revolução Industrial. Hoje, no entanto, sua face mais desenvolvida – o capitalismo financeiro global – parece ser também a origem de suas maiores contradições.

A atual etapa do capitalismo, marcada pelo predomínio do capital financeiro sobre o produtivo, revela um sistema que já não se apoia majoritariamente na manufatura ou na produção de bens tangíveis, mas na especulação, nos fluxos intangíveis e nos mercados voláteis. O capital se move em ritmo frenético entre bolsas de valores, fundos de investimento, criptomoedas e derivativos. É um capital que lucra com promessas, riscos calculados e manipulações técnicas, muito mais do que com a criação de bens reais e empregos estáveis.

Essa financeirização do mundo não vem sem custo. Ao concentrar-se em ganhos de curto prazo e descolar-se da economia real, o capitalismo atual aprofunda desigualdades, fragiliza os Estados nacionais e impõe crises cíclicas. É nesse contexto que se explica a instabilidade econômica mesmo em países altamente industrializados como Estados Unidos, Reino Unido e Japão – outrora os bastiões do progresso capitalista.

O impasse das economias centrais

Essas potências enfrentam um momento paradoxal: são os motores financeiros do mundo, mas estão atoladas em desaceleração econômica, endividamento público crescente, desindustrialização e aumento da desigualdade. Seu sistema produtivo mostra sinais de esgotamento, ao passo que sua população, especialmente as classes médias e trabalhadoras, sente na pele os efeitos da precarização do trabalho, da estagnação salarial e do custo de vida em escalada.

O que antes era prometido como prosperidade coletiva agora se resume ao enriquecimento de uma minoria. E quando o modelo começa a falhar internamente, volta-se para fora: através de estratégias imperialistas disfarçadas de globalização, essas nações ampliam sua influência sobre países periféricos, onde exploram recursos naturais, mão de obra barata e mercados consumidores vulneráveis.

A dominação se perpetua por meio de dívidas impagáveis, tratados comerciais desiguais, manipulação cambial e imposição de políticas neoliberais que retiram direitos sociais sob o pretexto da “austeridade fiscal”. Os países dependentes, por sua vez, veem-se encurralados: crescem menos, endividam-se mais e tornam-se reprodutores de pobreza crônica.

Pobreza persistente, lucros em alta

A promessa capitalista de erradicação da pobreza, propagada desde o século XIX, não apenas não se cumpriu, como se inverteu: a pobreza global não desapareceu, transformou-se. Tornou-se mais invisível nas estatísticas e mais complexa em suas causas. Ela não é mais apenas a falta de renda ou comida – embora esses fatores ainda existam em larga escala – mas a ausência de direitos, de segurança, de futuro. É a pobreza que convive com o excesso: favelas vizinhas a arranha-céus, filas no SUS ao lado de hospitais de luxo, salários congelados em um mundo onde bilionários multiplicam fortunas em semanas.

Esse novo rosto da miséria coexiste com um crescimento contínuo da riqueza global. O que mudou, e profundamente, foi sua distribuição. O capitalismo moderno conseguiu produzir riquezas em volume inimaginável, mas também concentrou poder e renda em uma proporção sem precedentes. E ao fazer isso, criou uma sociedade profundamente desequilibrada, onde a meritocracia virou retórica vazia e a mobilidade social, exceção.

A desigualdade, hoje, não é uma falha do sistema, mas sua engrenagem central. Ela sustenta o consumo, alimenta o endividamento, estimula a competição brutal entre os que têm pouco, enquanto os que têm muito seguem em sua bolha de privilégios.

As raízes da crise: natureza, trabalho e especulação

Ao longo da história, o capitalismo se alimentou da exploração sistemática da natureza e da força de trabalho humana. A base material da acumulação de capital sempre esteve na terra, na mineração, na agricultura em larga escala e, sobretudo, na exploração do tempo e do corpo dos trabalhadores. Jornadas exaustivas, como a conhecida escala de seis dias por um de descanso, são resquícios de uma lógica que ainda persiste, mesmo diante de tantos avanços tecnológicos.

Além disso, o sistema evoluiu para incorporar o comércio da usura – ou seja, o lucro a partir da dívida. Hoje, boa parte das economias pessoais e nacionais gira em torno do endividamento. Famílias trabalham para pagar boletos, e Estados, para rolar dívidas com credores internacionais. O lucro vem do juro, não da inovação.

Esse modelo de extração de valor – que combina a exaustão de recursos naturais, a precarização da mão de obra e a especulação financeira – levou o sistema a uma crise permanente. A atual crise não é pontual, nem localizada: é estrutural. Não se trata apenas de uma desaceleração cíclica, mas de um colapso de fundamentos.

Um sistema incompatível com o futuro

O capitalismo demonstrou, ao longo da história, uma notável capacidade de adaptação. Superou guerras mundiais, grandes depressões, revoluções sociais e colapsos financeiros. Mas nunca enfrentou um dilema tão abrangente como o atual: ele é, ao mesmo tempo, causa e vítima de sua própria lógica.

O crescimento infinito em um planeta de recursos finitos é uma contradição insuperável. A financeirização desconectada da realidade produtiva gera bolhas e instabilidades constantes. A desigualdade estrutural compromete a própria base de sustentação do consumo – sem o qual o sistema entra em colapso. E a miséria crescente, tanto em países centrais quanto periféricos, desafia qualquer noção de progresso sustentável.

A pergunta que se impõe não é mais se o capitalismo precisa ser reformado, mas se ele pode ser, de fato, compatível com um mundo mais justo, equilibrado e habitável. O modelo único, centrado na acumulação, na competição e na exploração, já não responde às demandas sociais, ambientais e políticas do século XXI.

Caminhos e alternativas

O que virá depois do capitalismo ainda é objeto de debate intenso. Mas uma coisa parece cada vez mais clara: manter o atual estado de coisas não é viável. A emergência climática, a crise humanitária e a desigualdade crescente são sinais de um sistema que perdeu sua capacidade de se renovar sem destruir.

O futuro dependerá da coragem política de enfrentar os interesses estabelecidos, de criar novos mecanismos de distribuição de riqueza, de reconectar a economia com as necessidades humanas e com os limites do planeta. Mais do que uma revolução econômica, talvez seja necessária uma transformação cultural, ética e social profunda.

Enquanto isso, o capitalismo segue em seu auge imperial, guiado por algoritmos, fundos de investimento e decisões tomadas a milhares de quilômetros da realidade de bilhões de pessoas. Um auge que, paradoxalmente, pode também ser o prelúdio de seu declínio.

 

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