O transporte público é um serviço essencial, assim como a saúde e a educação. No entanto, enquanto o acesso às escolas públicas e ao Sistema Único de Saúde (SUS) é garantido gratuitamente à população, o transporte coletivo ainda depende majoritariamente da receita tarifária para se manter. Essa dependência gera uma série de distorções e injustiças, que precisam ser urgentemente revistas. A sustentabilidade financeira do transporte público não pode depender exclusivamente das tarifas pagas pelos usuários. É preciso repensar o modelo de concessão e gestão desse serviço, buscando alternativas que garantam a gratuidade e a qualidade do transporte para todos.
Transporte público como direito, não como mercadoria
Assim como a saúde e a educação, o transporte público é um direito social fundamental. Ele garante o acesso ao trabalho, à educação, à saúde e ao lazer, sendo essencial para a inclusão social e a redução das desigualdades. No entanto, ao contrário do que acontece com as escolas públicas e o SUS, o transporte coletivo ainda é tratado como um serviço comercial, cujo custo recai quase inteiramente sobre os usuários.
Enquanto a população não paga matrículas ou mensalidades nas escolas públicas, nem consultas, exames ou cirurgias no SUS, ela é obrigada a pagar tarifas cada vez mais caras para usar o transporte público. Essa contradição precisa ser enfrentada. O transporte coletivo deve ser entendido como um serviço público essencial, financiado por recursos públicos e acessível a todos, sem cobrança direta.
O modelo atual de concessão: uma injustiça com a população
O modelo atual de concessão do transporte público no Brasil é marcado por distorções que prejudicam a população e beneficiam as empresas concessionárias. Em muitos casos, os ônibus e as instalações das garagens são pagos indiretamente pelos usuários, por meio das tarifas. Isso significa que a população financia a compra dos veículos e a infraestrutura necessária para a operação do sistema, mas esses recursos não são revertidos em benefício da coletividade.
Com o aumento dos custos operacionais e a necessidade de subsídios para "equilibrar" as contas, o poder público acaba injetando dinheiro no sistema, proveniente de impostos pagos por toda a população. No entanto, os ônibus e outros ativos adquiridos com esses recursos continuam sendo propriedade das empresas concessionárias. Essa prática, embora não seja considerada crime pela legislação brasileira, é moralmente questionável, pois representa uma apropriação indireta de recursos públicos por parte de empresas privadas.
A exploração peculiar do transporte público
A exploração do transporte público no Brasil tem características peculiares que agravam a injustiça social. Enquanto nas unidades de saúde geridas por Organizações Sociais (OS) não há apropriação de prédios públicos ou veículos, no transporte coletivo, os ônibus e as garagens são financiados pela população, mas acabam nas mãos das empresas concessionárias. Essa distorção precisa ser corrigida.
A população está pagando duas vezes pelo transporte público: primeiro, por meio das tarifas, que cobrem os custos operacionais e a amortização dos veículos; e segundo, por meio de impostos, que subsidiam o sistema quando as tarifas não são suficientes. Esse modelo é insustentável e injusto, pois transfere recursos públicos para empresas privadas, sem garantir a qualidade do serviço ou a gratuidade para os usuários. Por isso, é necessário implementar a tarifa zero para todos.
Rever o modelo de concessão: um caminho para a tarifa zero
Para implantar a Tarifa Zero no transporte público, é fundamental rever o modelo de concessão e gestão do serviço. Uma alternativa possível é adotar um sistema semelhante ao das Organizações Sociais na saúde, em que a gestão é terceirizada, mas os ativos (prédios, veículos e equipamentos) permanecem sob controle do poder público.
Nesse modelo, as empresas seriam responsáveis pela operação do sistema, mas os ônibus e as instalações seriam propriedade do Estado ou do município. Isso evitaria a apropriação de recursos públicos por parte das concessionárias e garantiria que os investimentos feitos pela população fossem revertidos em benefício da coletividade.
Financiamento sustentável: alternativas à receita tarifária
A sustentabilidade financeira do transporte público não pode depender exclusivamente da receita tarifária. É preciso buscar fontes alternativas de financiamento, como:
1. Impostos e taxas específicas: Parte dos recursos arrecadados com impostos municipais ou estaduais pode ser destinada ao transporte público.
2. Contribuição Empresarial: Empresas que se beneficiam do transporte coletivo para seus funcionários e clientes podem ser taxadas para ajudar a financiar o sistema. Atualmente o setor empresarial já paga pelo vale-transporte do trabalhador o que excede 6% do salário básico do empregado. O empregador pode descontar até 6% do salário base do trabalhador para custear o vale-transporte. O restante, é custeado pelo empregador. Se o custo do transporte for menor que esse percentual, o desconto será feito pelo valor real das passagens. Se o total de vales-transportes utilizados pelo trabalhador for superior a 6% do salário, o valor excedente deve ser suportado pelo empregado.
A proposta seria converter o que é pago atualmente no vale-transprote pelo setor empresarial para financiar a tarifa zero.
3. Taxação sobre Combustíveis e Veículos: Impostos sobre gasolina, diesel e veículos particulares podem ser usados para subsidiar o transporte público.
4. Redirecionamento de Recursos: Verbas destinadas a obras viárias ou outros projetos menos prioritários podem ser realocadas para o transporte coletivo.
Tarifa Zero: um projeto de inclusão e sustentabilidade
A Tarifa Zero no transporte público é mais do que uma política de mobilidade; é um projeto de inclusão social e sustentabilidade. Ao eliminar a cobrança de tarifas, ela garante o acesso universal ao transporte, reduzindo as desigualdades e melhorando a qualidade de vida da população. Além disso, ao desincentivar o uso de carros particulares, ela contribui para a redução do trânsito, da poluição e dos acidentes.
No entanto, para que a Tarifa Zero seja viável, é essencial rever o modelo de concessão e gestão do transporte público, garantindo que os recursos públicos sejam usados de forma transparente e eficiente. A experiência das Organizações Sociais na saúde pode servir de inspiração para um novo modelo de gestão, em que os ativos permanecem sob controle do poder público, evitando a apropriação indevida de recursos pela iniciativa privada.
A sustentabilidade financeira do transporte público não pode depender exclusivamente da receita tarifária. É preciso tratar o transporte coletivo como um serviço público essencial, financiado por recursos públicos e acessível a todos, sem cobrança direta. Para isso, é fundamental rever o modelo de concessão, evitando a apropriação de recursos públicos por parte das empresas privadas.
A Tarifa Zero é um projeto viável e necessário, que pode transformar a mobilidade urbana e garantir o direito ao transporte para toda a população. No entanto, sua implementação exige vontade política, transparência e um novo modelo de gestão, que priorize o interesse público e a justiça social. O transporte público é um direito, e é dever do Estado garantir que ele seja acessível a todos, sem custos diretos e com qualidade.
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