A filosofia marxista-leninista, com sua base no materialismo histórico e dialético, sempre identificou a classe trabalhadora como a força motriz da revolução. A classe operária era o sujeito histórico, o motor da mudança. No entanto, a realidade do século XXI apresenta um dilema complexo para os militantes socialistas. A estrutura da produção e as mobilizações sociais mudaram radicalmente. Além disso, a ascensão da economia gig e a influência das big techs questionam a validade dos conceitos clássicos.
A Desconstrução da classe operária tradicional
Muitos socialistas ainda se referem à classe operária
como o pilar da revolução. De fato, fábricas ainda existem no mundo todo,
especialmente na China e em outros países em desenvolvimento. A produção
industrial não desapareceu. No entanto, a organização do trabalho mudou
drasticamente. A automação, a globalização e a fragmentação das cadeias de
produção tornaram o chão de fábrica um lugar diferente do que era no século
XIX.
A organização sindical, que foi fundamental para a luta de
classes, enfrenta dificuldades. A terceirização, a precarização e a
pulverização dos locais de trabalho dificultam a união. O trabalhador, muitas
vezes, não tem mais a mesma sensação de pertencimento a um coletivo de fábrica.
Ele pode estar em uma linha de montagem, mas a sua relação com a produção é
menos direta. Assim, a solidariedade e a consciência de classe, essenciais para
a luta revolucionária, são desafiadas.
A informalidade do trabalho, especialmente em países
como o Brasil, é outro fator crucial. Milhões de pessoas trabalham por conta
própria, como motoristas de aplicativos ou entregadores. Elas não têm um
empregador fixo, nem um local de trabalho comum. Isso fragmenta ainda mais a classe
trabalhadora. A união se torna um desafio enorme. A categoria não se reconhece
facilmente como uma classe com interesses comuns.
O Papel dos algoritmos e a alienação digital
O conceito de alienação, central na análise marxista,
ganha uma nova dimensão na era digital. As big techs e suas plataformas
usam algoritmos para direcionar o consumo, a informação e até o pensamento. O
trabalhador, ao terminar sua jornada, é bombardeado por entretenimento e
conteúdo de redes sociais. A distração e a busca por dopamina se tornam
uma fuga da realidade.
Essa distração constante, impulsionada pelos algoritmos,
pode minar a consciência política. Em vez de se organizar, os
trabalhadores podem se perder em discussões superficiais. A luta de classes,
que exige foco e mobilização, compete com um fluxo ininterrupto de
entretenimento. Os algoritmos podem criar bolhas ideológicas, reforçando
preconceitos e dificultando o diálogo. Isso mina o senso de solidariedade e a
percepção de que existe um inimigo comum.
A alienação digital não se restringe apenas ao
consumo. As plataformas também alienam os trabalhadores. Os algoritmos
controlam a jornada de trabalho, a remuneração e a avaliação. Os motoristas de
aplicativos, por exemplo, são gerenciados por um algoritmo. Eles se sentem impotentes.
A crítica e a organização se tornam difíceis. Afinal, como você discute com um
algoritmo?
A Nova realidade política e a busca por uma nova teoria
A conjuntura política internacional também é um
fator. O socialismo como ideal de Estado é minoritário no cenário mundial. A
China, que ainda se define como socialista, é um sistema complexo. Muitos veem
a economia chinesa como uma forma de capitalismo de Estado, onde as regras do
mercado coexistem com a centralização política.
Diante disso, os militantes socialistas enfrentam a necessidade de revisar e atualizar a dialética marxista. Como aplicar a teoria da revolução de classes em um mundo de trabalhadores informais, freelancers, e indivíduos isolados por algoritmos? A resposta não é simples.
Alguns pensadores sugerem que a classe revolucionária não é
mais apenas a classe operária tradicional. Talvez ela seja formada por
todos os trabalhadores precarizados, incluindo os informais e os que
trabalham em plataformas digitais. A luta não seria mais apenas no chão de
fábrica, mas nas ruas e nas redes sociais. A mobilização online, apesar de seus
desafios, pode também ser uma ferramenta.
Outra questão é a busca por novos inimigos. O capitalismo
global e as big techs se tornam alvos claros. A luta contra o poder dos
algoritmos, a coleta de dados e a manipulação da informação é uma nova frente.
A revolução não se daria apenas pela tomada dos meios de produção tradicionais,
mas também pelo controle das plataformas digitais e do conhecimento. A luta
contra o capital digital se torna tão importante quanto a luta contra o
capital industrial.
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