Como ecologista e ativista pela preservação dos
polinizadores, é com um misto de fascínio e profunda preocupação que me dirijo
a vocês. Nosso planeta é um intrincado tecido de interações ecológicas, e
poucas são tão vitais e, ao mesmo tempo, tão subestimadas quanto a polinização.
Aqueles seres pequenos e, muitas vezes, despercebidos — as abelhas, as
borboletas, as vespas, os besouros, as moscas-das-flores e até mesmo morcegos e
aves — são os arquitetos silenciosos que sustentam a vida como a conhecemos.
A polinização é a transferência do grão de pólen das partes
masculinas para as femininas das flores, um passo crucial para a reprodução das
plantas, resultando em frutos e sementes. Embora o vento e a água possam
auxiliar nesse processo, a maioria das plantas, tanto cultivadas quanto
nativas, depende de animais. Em comunidades tropicais, esse número chega a 94%
das espécies. E nesse vasto exército de polinizadores, as abelhas se destacam,
visitando mais de 90% dos 107 principais cultivos agrícolas já estudados no
mundo.
O Brasil, com sua megadiversidade, é um santuário de
polinizadores. Dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) mostram que, apenas no nosso país, ocorrem cerca de 1.965 espécies de
abelhas. As borboletas, ou lepidópteros, são ainda mais numerosas, com mais de
26.000 espécies já descritas. Esses números, por si só, revelam a riqueza de
nosso patrimônio natural e a imensa responsabilidade que temos em protegê-lo.
No entanto, por trás desses números impressionantes,
esconde-se uma crise silenciosa e devastadora. Ao longo das últimas décadas,
temos testemunhado uma significativa perda de polinizadores em todos os
ecossistemas brasileiros. Essa perda não é apenas uma preocupação ecológica;
ela acarreta riscos sistêmicos para a sociedade, a economia e a própria
segurança alimentar.
Indicadores da Crise e Seus Impactos
A perda de polinizadores não é um fenômeno invisível.
Pesquisas recentes e monitoramentos do IBGE e de outras instituições apontam
para indicadores alarmantes. O desmatamento, as queimadas e o avanço
descontrolado da fronteira agrícola são as principais causas, destruindo os
habitats e fragmentando os corredores ecológicos que esses animais precisam
para sobreviver. O uso indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos na
agricultura é outro fator de peso. Muitas vezes, esses produtos não são
seletivos e dizimam colônias inteiras de abelhas e outras espécies benéficas.
Um estudo do IBGE, por exemplo, demonstrou que a agricultura brasileira poderia
perder 16% do valor de sua produção sem esses polinizadores, evidenciando o
impacto direto e tangível da sua ausência.
A queda na produtividade de culturas agrícolas é outro
indicador claro da crise. Em cultivos que dependem de polinizadores, a sua
perda se reflete diretamente na quantidade e na qualidade dos frutos e
sementes. Frutas como maçãs, uvas, morangos e o café, tão importantes para a
nossa economia, têm sua produção diretamente influenciada pela ação desses
insetos. A falta de polinização adequada leva a frutos menores, com menos
sementes, menos durabilidade e, em alguns casos, com menor valor nutricional. A
pesquisa realizada por Giannini et al. (2015b) no Brasil estima que a
polinização na produção agrícola tem um valor anual de US$ 12 bilhões, um
número que ressalta a magnitude do serviço que esses animais prestam de forma
gratuita.
O declínio de polinizadores também serve como um termômetro
para a saúde de todo o ecossistema. Quando as populações de abelhas, borboletas
e outros insetos começam a diminuir, é um sinal de que algo fundamental está
desequilibrado. Perder essas espécies é o primeiro passo para a perda de
outras, desencadeando um efeito cascata que compromete a resiliência e a
estabilidade da natureza.
A Polinização como Serviço Ecossistêmico e Econômico
O valor dos polinizadores vai muito além da simples produção
de alimentos. A polinização é um serviço ecossistêmico fundamental, que atua em
três esferas principais:
- Regulatória:
     A polinização mantém a diversidade genética e a variabilidade das
     populações de plantas nativas, garantindo a saúde dos ecossistemas e suas
     funções.
 - De
     Provisão: Garante o fornecimento confiável e diversificado de
     alimentos como frutas, sementes e mel, essenciais para a nossa dieta. Além
     disso, os cultivos dependentes de polinizadores são ricos em
     micronutrientes como vitaminas A e C, cálcio e ácido fólico.
 - Cultural:
     Promove valores culturais e o conhecimento tradicional, especialmente em
     comunidades que interagem diretamente com a natureza e com práticas de
     manejo sustentável.
 
As valorações econômicas desse serviço são impressionantes.
O relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre
Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) de 2016 estimou que a
polinização animal contribui com algo entre US$ 235 bilhões e US$ 577 bilhões
anuais para a economia global. No Brasil, como mencionado, o valor é de US$ 12
bilhões por ano. Esses números, por si só, deveriam ser suficientes para
motivar uma mudança drástica em nossas políticas agrícolas e ambientais.
O Chamado à Ação
Diante desse cenário, a inércia não é uma opção. Precisamos
agir e agir com urgência. A proteção dos polinizadores deve ser uma prioridade,
não apenas para os pesquisadores e ativistas, mas para toda a sociedade.
É fundamental que haja uma transição para práticas agrícolas
mais sustentáveis. O uso de agrotóxicos deve ser regulamentado de forma mais
rigorosa, priorizando produtos menos nocivos e métodos de controle biológico. A
criação de áreas de refúgio e corredores ecológicos dentro de propriedades
rurais, com a plantação de espécies nativas que fornecem alimento e abrigo para
os polinizadores, é uma estratégia eficaz e acessível.
A conscientização pública é outro pilar essencial. A ciência
cidadã, por meio de programas de monitoramento de borboletas e abelhas, pode
empoderar as pessoas a se tornarem parte da solução. Pequenas ações, como
plantar flores nativas em jardins e quintais, criar "hotéis" para
abelhas solitárias e educar as crianças sobre a importância desses animais,
podem fazer uma diferença significativa.
A crise dos polinizadores é um reflexo da nossa desconexão
com a natureza. Acredito que, ao nos reconectarmos com esses seres alados e
suas vidas intrincadas, podemos encontrar o caminho para um futuro mais
sustentável, onde a saúde dos ecossistemas e a prosperidade humana caminham de
mãos dadas. Proteger os polinizadores não é apenas uma questão de conservação;
é um investimento no nosso próprio futuro.

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