A vida, na perspectiva estoica, vale pela capacidade de exercer a razão e a virtude.

 


O legado intelectual de Antonio Gramsci, um dos mais proeminentes pensadores marxistas do século XX, ressoa profundamente nas discussões sobre democracia, socialismo e hegemonia. Sua obra, desenvolvida em períodos distintos – a fase da revista

L'Ordine Nuovo e os subsequentes Cadernos do Cárcere – oferece uma análise original e multifacetada das relações entre política, economia e cultura nas sociedades capitalistas modernas. Este artigo busca explorar as concepções gramscianas de democracia e hegemonia, traçando sua evolução e relevância para a compreensão da transformação social e política.

As Raízes da Democracia Operária: O Período de L'Ordine Nuovo

O período de 1919 a 1920 marcou um momento crucial na trajetória intelectual de Gramsci, caracterizado pela experiência dos conselhos de fábrica na Itália. Inspirado pela Revolução Russa de 1917 e pelas condições específicas do movimento operário italiano, Gramsci, juntamente com Tasca, Terracini e Togliatti, via nos conselhos de fábrica o embrião de um novo modelo de Estado socialista, uma alternativa radical ao Estado liberal e à democracia burguesa. Para Gramsci, esse novo Estado seria o único compatível com uma forma efetiva de democracia operária.

A tese central da revista

L'Ordine Nuovo postulava que trabalhadores, técnicos, escriturários e camponeses deveriam transcender o papel de meros executores em um sistema capitalista para se tornarem reguladores democráticos da vida nas indústrias. Essa visão defendia que o poder político socialista deveria fundamentar-se na capacidade gerencial da própria sociedade. A revista, que se tornou o principal veículo de ideias em favor da expansão dos conselhos de fábrica, via neles uma nova concepção socialista de Estado e democracia. A proposta de autogoverno dos trabalhadores, gestada a partir da análise dos movimentos operários, do estudo da experiência soviética e dos debates nas fábricas de Turim, visava superar a histórica divisão entre governantes e governados, entre dominantes e dominados, legada pela sociedade capitalista.

Gramsci reconhecia o significado extraordinário do projeto conselhista para a crítica do papel dos sindicatos e do partido, e como um meio para superar as tensões geradas pelo reforço do poder estatal, que frequentemente sufocava as iniciativas dos trabalhadores em prol da democracia industrial. Para que uma economia pudesse ser considerada socialista em sentido pleno, a indústria deveria estar sob a direção autônoma dos produtores, pois "o socialismo é inconcebível sem a liberdade de autodeterminação das coletividades humanas". O socialismo, em sua dupla dimensão social e subjetiva, seria, portanto, definido pela existência da indústria e pela práxis coletiva dos trabalhadores.

A rejeição de L'Ordine Nuovo à separação entre política e economia é crucial para entender a crítica de Gramsci. Ele via a política não como uma atividade isolada, mas como intrinsecamente ligada à esfera econômica. A conquista da hegemonia na indústria era uma premissa fundamental para a realização da democracia industrial, um princípio decisivo na luta dos trabalhadores pelo poder nas sociedades industriais capitalistas.

A Crítica às Instituições Políticas Tradicionais: Partido e Sindicato

Gramsci empreendeu uma crítica radical aos limites das instituições políticas tradicionais, como o partido político revolucionário e o sindicato. Sua análise, que negava a política como uma atividade separada da economia, questionava se essas associações, nascidas no campo jurídico-político das liberdades formais e da democracia burguesa, poderiam efetivamente promover a transformação revolucionária do tecido socioeconômico e industrial.

A crítica gramsciana se fundamenta em duas razões principais. Primeiramente, na distinção que Gramsci fazia na sociedade capitalista, durante o período de predomínio da classe burguesa. Enquanto as organizações revolucionárias (partido e sindicato) nasciam no campo da liberdade política, afirmando e desenvolvendo a liberdade e a democracia em geral, o mundo da produção capitalista era marcado pela ausência de liberdade e democracia para o trabalhador. Gramsci enfatizava que o processo revolucionário deveria ocorrer onde o trabalhador "não é ninguém e quer se tornar tudo", onde o poder do proprietário é ilimitado. A dominação capitalista, expressa na separação do trabalhador dos meios de produção, resultava na submissão individual e coletiva nos espaços profundos da organização econômica capitalista, onde a democracia formal não imperava.

Essa observação da realidade da produção capitalista levou Gramsci a criticar as instituições políticas tradicionais. Para o trabalhador industrial, o espaço para a realização da liberdade era "completamente negativo e estranho" no mundo objetivo das necessidades. Sua reflexão sobre o mundo da produção capitalista se organizava em torno de duas linhas de investigação: uma crítica negativa às instituições políticas tradicionais, que reconhecia a crítica radical da democracia formal por Marx e Lênin, e uma segunda linha que, na fase oligopolista da indústria capitalista, via a socialização da produção e do trabalho tornando mais plausível o exercício do poder autônomo do trabalhador coletivo. Gramsci concebia a liberdade como a autodeterminação do trabalhador coletivo, ligada ao reconhecimento da necessidade material historicamente construída pelos homens associados na organização política e social da indústria.

Em seus escritos juvenis, Gramsci já manifestava sua alternativa entre as instituições políticas tradicionais e a soberania dos produtores. Ao comentar a dissolução da Constituição russa, ele observava que as forças revolucionárias haviam elaborado espontaneamente "as formas representativas por meio das quais a soberania do proletariado deve ser exercida". Essas formas, como os "sovietes" ou conselhos de produtores, representavam um modelo sem precedentes de representação política do trabalhador produtivo, não reconhecidas por um parlamento de tipo ocidental.

A tarefa do partido político revolucionário, para Gramsci, não era substituir os partidos burgueses na condução do Estado, mas transformar a natureza do Estado e o regime de produção que o acompanha. Partidos e sindicatos eram definidos como organizações "voluntárias e contratuais". A crítica de Gramsci, portanto, visava desvelar os limites históricos da democracia representativa e apontar o surgimento de instituições operárias originais com uma base representativa "construída de acordo com um esquema industrial".

O socialismo, em sentido positivo, oposto ao Estado democrático liberal e representativo, seria a autoafirmação do proletariado na economia. Ele representaria a criação de um novo tipo de Estado "originado na experiência associativa da classe proletária", distinto do Estado liberal. A novidade revolucionária não residia apenas na substituição do Estado democrático representativo por um Estado socialista, mas na transformação do proletariado em sujeito político na gestão do Estado e da sociedade. A liberdade não se associaria necessariamente a um aparato representativo voluntário e contratual, mas se configuraria na própria organização da economia pós-capitalista, onde a base representativa dos trabalhadores seria organizada sob um esquema industrial. A democracia, para Gramsci, se realizaria progressivamente na formação de uma vontade política autônoma dos trabalhadores, cujo espaço fundamental estaria na economia, ou seja, na politização do espaço econômico.

A natureza democrática dos conselhos de fábrica, a "democracia dos sovietes," residia no fato de que, sob o capitalismo, a fábrica era a única instituição onde "não há relações entre cidadão e cidadão". Essa condição era decisiva, pois a profunda divisão entre economia e política no capitalismo estava ligada a um sistema organizacional burocrático dentro da fábrica, baseado na separação do trabalhador dos meios de produção. A desigualdade e a disparidade social do trabalhador não estavam nas leis ou nas liberdades formais, mas na realidade social e econômica da fábrica, na produção sob relações sociais de exclusão e dominação. Assim, o conselho de fábrica representava o modelo do novo Estado socialista, unificando "voluntariamente" a economia e a política.

Gramsci defendia que, para alcançar a autonomia no campo industrial, a classe trabalhadora deveria superar os limites da organização sindical e criar um novo tipo de organização "com uma base representativa e não mais burocrática, que incorpore toda a classe trabalhadora, mesmo aquelas não filiadas ao sindicato". O conselho de fábrica forneceria o núcleo político dessa forma alternativa de socialismo, permitindo a autodeterminação e o autogoverno dos trabalhadores e, consequentemente, a substituição da propriedade privada capitalista pela propriedade coletiva social.

O Projeto Corporativo de L'Ordine Nuovo e Seus Limites

O projeto democrático de L'Ordine Nuovo, entendido como uma democracia de participação e autogoverno, possuía uma originalidade inegável em relação ao projeto liberal de democracia formal. Gramsci observava que, na sociedade capitalista, os centros de poder haviam se transferido das instituições estatais tradicionais para as grandes empresas, limitando o controle cidadão aos canais tradicionais da democracia política. Essa limitação impedia o controle efetivo dos trabalhadores sobre os espaços de produção e dos cidadãos sobre a ação governamental. A crítica abstrata do cidadão à democracia formal traduzia-se positivamente na realização do trabalhador coletivo como um produtor autônomo no processo industrial. A organização do Estado seria, então, um sistema representativo de conselhos, com formas de controle indireto.

A empresa industrial capitalista, hierarquicamente organizada e orientada para o lucro através da dominação política da administração, não era, para Gramsci, um espaço despolitizado. A organização capitalista do trabalho limitava os horizontes da classe trabalhadora. A política socialista na indústria definia os valores distintivos de um novo projeto de sociedade: vontade coletiva, superação do imediatismo, crítica à organização sindical e remodelação dos dados econômicos sob uma modalidade diferente de organização da economia e da indústria. O projeto de L'Ordine Nuovo representava a tentativa mais audaciosa de unificar os valores socialistas com as condições sociais do trabalho industrial. A crítica ao Estado burguês era assumida em nome da vontade concreta do trabalhador coletivo, que se instituía como sujeito autônomo e regulador consciente do mundo do trabalho na indústria.

Gramsci defendia o papel histórico dos conselhos de fábrica como uma alternativa social ao regime de apropriação e produção capitalista. Em uma carta a Palmiro Togliatti em 1926, ele expressou que, nove anos após a Revolução de Outubro de 1917, o que poderia revolucionar as massas no Ocidente não era a tomada do poder pelos bolcheviques em si, mas a convicção de que o proletariado, após tomar o poder, poderia construir o socialismo. Para Gramsci, o socialismo, assim como a democracia, não deveria diminuir a participação nos processos de tomada de decisão política, como ocorria nas sociedades capitalistas devido à burocracia. Ao contrário, a sociedade socialista deveria elaborar um projeto que permitisse a radicalização da democracia, uma alternativa complexa, mas que aprofundaria e criaria formas inéditas de democracia no âmbito de um projeto socialista.

Apesar da guinada teórica que o tema ordinovista tomaria nos Quaderni, os ensinamentos políticos e teóricos do período de L'Ordine Nuovo foram retomados por Gramsci. Ele analisou, por exemplo, os "mecanismos de habituação" para incutir nos trabalhadores a aceitação de uma ética industrial do trabalho, especialmente na economia dos Estados Unidos na década de 1930. A hegemonia do capital se expressava nas experiências do fordismo e do taylorismo como formas coerentes de racionalização do trabalho no capitalismo americano. Esse tema seria aprofundado nos Quaderni em 1934, nas notas sobre "Americanismo e Fordismo".

Democracia e Hegemonia nos Quaderni do Cárcere

A maior elaboração conceitual do termo "hegemonia" encontra-se nos  Quaderni do Cárcere. Embora o período de L'Ordine Nuovo tenha oferecido contribuições teóricas brilhantes, os Quaderni representam uma avaliação crítica do passado imediato e um aprofundamento das ideias gramscianas. O próprio Gramsci e seus intérpretes debateram as diferenças e continuidades entre o Gramsci de L'Ordine Nuovo e o dos Quaderni, incluindo discussões sobre sua posição em relação ao partido político e sua filiação ao marxismo.

Etimologicamente, "hegemonia" deriva do grego  eghesthai, que significa 'ser guia', 'ser líder', ou eghemoneno, no sentido de preceder, liderar, comandar. Na Grécia clássica, referia-se à liderança suprema do exército ou de uma cidade sobre uma aliança de outras cidades.

Para Gramsci, a hegemonia não é um conceito impreciso, mas uma realidade a ser estudada com rigor. O lugar de constituição da hegemonia reside fundamentalmente na sociedade civil, mas sua existência não se esgota ali; ela se estende a todos os níveis pelos quais a hegemonia de uma classe, grupo social ou instituição permeia a sociedade como um todo.

Nesse plano, Gramsci observa que a função ética do Estado promove a constituição e a produção de consensos para o exercício da dominação. Essa noção de ética é entendida em sua dimensão política, definindo um Estado como ético "na medida em que uma de suas funções mais importantes é elevar a grande massa da população a um certo nível cultural e moral". Esse nível corresponde às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas e aos interesses das classes dominantes. Essa perspectiva permite uma avaliação cuidadosa dos diferentes tipos de direção ideológica assumidas pelas classes dominantes para garantir sua dominação e direção sobre as classes subalternas. Nesse sentido, instituições como a escola, com sua função educativa positiva, e os tribunais, com sua função negativa e repressiva, são atividades cruciais.

Gramsci introduz uma nova problemática ao analisar as relações entre estrutura e superestrutura, bem como o Estado em seu sentido mais amplo: sociedade civil + sociedade política. Ele enuncia que "entre a estrutura econômica e o Estado, com sua legislação e coerção, há sociedade civil...". O Estado é o meio mais adequado para adaptar a sociedade civil às exigências da economia de um determinado país.

Americanismo e Fordismo como Expressão da Hegemonia Capitalista

O estudo do "Americanismo e Fordismo" nos Quaderni (1934) demonstra a profunda análise de Gramsci sobre a hegemonia do capital. Ele examinava os "mecanismos de habituação" empregados para inculcar nos trabalhadores a aceitação de uma ética industrial do trabalho, especialmente na economia dos Estados Unidos na década de 1930. O fordismo e o taylorismo não eram meras técnicas de produção; eram formas coerentes de racionalização do trabalho que expressavam a hegemonia do capital, ou seja, a capacidade da classe dominante de liderar, direcionar e obter consenso para seu projeto de sociedade.



Gramsci via o americanismo como uma tentativa de criar um novo tipo de trabalhador e uma nova estrutura social, por meio de um processo de racionalização que ia além da esfera da produção para atingir a vida cotidiana e os hábitos das massas. O controle sobre o corpo e a mente do trabalhador era essencial para a produtividade e para a manutenção da ordem social capitalista. Isso envolvia não apenas a imposição de uma disciplina de fábrica, mas também a promoção de certos valores morais e culturais que se alinhassem com as necessidades da produção capitalista.

A importância dessa análise reside no fato de que Gramsci não se limitava a uma visão economicista do capitalismo. Ele reconhecia que a dominação capitalista se dava não apenas pela coerção econômica, mas também pela construção de um consenso ideológico e cultural. O "americanismo" se tornava, assim, um exemplo de como a hegemonia se manifesta através de práticas culturais e sociais que visam moldar o comportamento e o pensamento dos indivíduos.

O Bloco Histórico e o Estado Integral

A articulação entre economia, sociedade civil e sociedade política é fundamental na teoria gramsciana do "bloco histórico". O bloco histórico representa a unidade orgânica entre a estrutura (base econômica) e as superestruturas (sociedade civil e sociedade política). Não se trata de uma relação mecânica de causa e efeito, mas de uma interdependência complexa onde as ideias, instituições e práticas culturais (sociedade civil) desempenham um papel ativo na legitimação e reprodução das relações de poder existentes na base econômica.

A hegemonia, nesse contexto, é o processo pelo qual uma classe dominante consegue não apenas impor sua vontade pela força, mas também obter o consenso ativo das classes subalternas para sua visão de mundo e seus interesses. Isso ocorre através da sociedade civil, que Gramsci via como um conjunto de organismos privados (igrejas, sindicatos, escolas, associações culturais, mídia) que difundem e articulam ideologias, moldando a consciência coletiva.

O conceito de "Estado integral" de Gramsci amplia a compreensão do Estado além de suas funções repressivas e jurídicas. Para ele, o Estado não é apenas o governo e o aparato coercitivo (sociedade política), mas também o conjunto das relações hegemônicas que permeiam a sociedade civil. O Estado, portanto, não é apenas um instrumento de dominação, mas também um produtor e organizador de consenso. A hegemonia se manifesta na capacidade do Estado de incorporar e neutralizar as demandas das classes subalternas, de modo a manter a estabilidade do sistema.

Essa perspectiva do Estado integral leva à distinção gramsciana entre "guerra de movimento" e "guerra de posição". A guerra de movimento refere-se à estratégia de ataque frontal e rápida ao poder estatal, típica de revoluções em sociedades com uma sociedade civil subdesenvolvida. A guerra de posição, por outro lado, é uma estratégia de longo prazo, de penetração e transformação das trincheiras e fortalezas da sociedade civil. Em sociedades ocidentais complexas, com uma sociedade civil robusta, a conquista da hegemonia requer uma guerra de posição, ou seja, uma luta cultural e ideológica para deslegitimar as ideias dominantes e construir um novo senso comum.

A Questão da Democracia Substantiva e Formal

Gramsci, em sua análise, não apenas diferenciava, mas também estabelecia as complexas relações entre "democracia real" (substantiva) e "democracia formal". A democracia formal, com suas liberdades políticas e direitos civis, embora seja um avanço em relação a regimes autoritários, era vista como insuficiente se não acompanhada por uma transformação nas relações de produção e poder.

Para Gramsci, a verdadeira democracia, ou democracia substantiva, só poderia ser alcançada quando os trabalhadores tivessem controle efetivo sobre a produção e a gestão da sociedade. Os conselhos de fábrica eram, nesse sentido, um modelo de democracia substantiva, onde a liberdade se manifestava na autodeterminação das coletividades humanas na esfera econômica.

A "democracia dos sovietes" ou conselhos, no pensamento gramsciano, transcende a mera igualdade formal de direitos políticos e civis. A fábrica, no capitalismo, era o local onde a ausência de relações entre "cidadão e cidadão" revelava a desigualdade intrínseca do sistema. A superação dessa realidade exigia a politização do espaço econômico, transformando a economia de um reino de necessidade para um reino de liberdade, onde os produtores associados regulariam racionalmente seu metabolismo com a natureza.

Legado e Relevância Contemporânea

O pensamento de Antônio Gramsci sobre hegemonia, socialismo e democracia continua a ser uma fonte inesgotável de reflexão para o século XXI. Sua ênfase na sociedade civil como campo de batalha ideológico e cultural, sua compreensão do Estado como uma entidade complexa que abarca tanto a coerção quanto o consenso, e sua distinção entre democracia formal e substantiva, fornecem ferramentas analíticas cruciais para entender as dinâmicas de poder nas sociedades contemporâneas.

Em um mundo globalizado, onde as crises econômicas, as desigualdades sociais e os desafios à democracia são cada vez mais evidentes, as ideias de Gramsci ganham nova ressonância. A persistência da dominação de classe, a formação de consensos em torno de ideologias dominantes e a necessidade de construir contra-hegemonias para a transformação social são temas que Gramsci abordou com profundidade.

Seu legado nos convida a ir além de uma visão limitada da política, reconhecendo a interconexão entre as esferas econômica, cultural e social. A luta pela democracia e pelo socialismo, na perspectiva gramsciana, não se restringe à tomada do poder estatal, mas envolve uma complexa e contínua "guerra de posição" para transformar as relações sociais, culturais e ideológicas que sustentam a dominação. A relevância de Gramsci reside, portanto, em sua capacidade de oferecer uma teoria da política que é ao mesmo tempo rigorosa e engajada, capaz de iluminar os caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

A compreensão da hegemonia como um processo ativo e dinâmico, que exige constante negociação e renegociação do consenso, é particularmente relevante para a análise das sociedades democráticas contemporâneas. O papel da mídia, da educação e das instituições culturais na formação da opinião pública e na legitimação de determinadas visões de mundo pode ser compreendido através da lente gramsciana.

Além disso, a crítica de Gramsci à burocratização e à alienação nas instituições políticas tradicionais, bem como sua defesa de formas de democracia mais participativas e diretas, como os conselhos de fábrica, inspiram os debates atuais sobre a renovação democrática e a construção de alternativas ao modelo capitalista dominante. O "americanismo e fordismo" como mecanismos de habituação e de formação de uma "ética industrial" também se manifestam em novas roupagens na era digital, com a plataformização do trabalho e a gamificação de tarefas, que buscam otimizar a produtividade e moldar comportamentos.

A obra de Gramsci, portanto, transcende sua época e contexto específico, oferecendo um arcabouço teórico para analisar os desafios e possibilidades da transformação social em diferentes realidades. Seu convite à "guerra de posição" e à construção de uma contra hegemonia nos lembra que a luta por uma sociedade mais justa é um processo contínuo e multifacetado, que exige tanto a análise crítica das estruturas de poder quanto a ação organizada e consciente das classes subalternas.

Conclusão

A jornada intelectual de Antonio Gramsci, dos conselhos de fábrica de L'Ordine Nuovo às profundas reflexões nos Cadernos do Cárcere, revela uma teoria da política e da sociedade que permanece vital para o pensamento crítico. Sua concepção de democracia vai além da formalidade liberal, buscando uma democracia substantiva enraizada na autodeterminação dos trabalhadores e na politização da economia. A hegemonia, por sua vez, emerge como um conceito central para compreender como o poder é exercido não apenas pela força, mas principalmente pela construção de consenso nas múltiplas esferas da sociedade civil.

A análise gramsciana do "americanismo e fordismo" demonstra a perspicácia de seu método, que conectava as transformações econômicas às suas implicações culturais e ideológicas, revelando a complexidade da dominação capitalista. Ao enfatizar o "Estado integral" e a dialética entre sociedade política e sociedade civil, Gramsci nos oferece uma compreensão expandida do poder e da luta de classes, que transcende os limites do economicismo e do determinismo.

Em suma, o legado de Gramsci é um chamado à ação e à reflexão crítica. Suas ideias sobre democracia, socialismo e hegemonia nos desafiam a pensar a transformação social como um projeto complexo, que exige a construção de uma nova cultura, uma nova moralidade e um novo senso comum. É na "guerra de posição" no seio da sociedade civil que as bases para um futuro mais justo e equitativo são lançadas, tornando Gramsci um guia indispensável para aqueles que buscam compreender e transformar o mundo contemporâneo. O impacto de sua obra é um testemunho de sua capacidade de oferecer insights profundos e duradouros sobre a natureza do poder e as possibilidades de emancipação humana.

 

Referências:

  • O Capital (Fonte: Karl Marx,

O Capital, Livro Três, vol. 8, Siglo XXI, Madri, p. 1044 / Karl Marx, Capital volume 1, vol. l, Siglo XXI, Madrid, 1981, p. 15-240)

  • Vida de Antonio Gramsci (Fonte: Giusseppe Fiori, G.,

Vida de Antonio Gramsci, Ediciones Península, Barcelona, 1968, p. 148)

  • História do Bolchevismo (Fonte: Arthur Rosenberg,

História do Bolchevismo, Pasado y Presente, México, 1977, pág. 211)

  • L'Ordine Nuovo, 1919-1920 (Fonte: Antonio Gramsci,

L'Ordine Nuovo, 1919-1920 (LON), Einaudi editore, Turim, 1954, p. 124, 125)

  • Primeiros escritos (Fonte: A. Gramsci,

Primeiros escritos (SG), Einaudi editore, Turim, 1958, p. 160)

  • Socialismo e Fascismo (Fonte: A. Gramsci,

Socialismo e Fascismo (SF), Einaudi, Turim, 1972, p. 512)

  • Escritos Políticos (Fonte: A. Gramsci,

Escritos Políticos, Edições Passadas e Presentes, México 1977, p. 303)

  • O futuro da democracia (Fonte: Norberto Bobbio,

O futuro da democracia, Fondo de Cultura Económica, México, 1986, pp. 32-50)

  • Il pensiero di Gramsci (Fonte: Giorgio Nardone,

Il pensiero di Gramsci, De Donato editore, Bari, pp. 127-187)

  • Lettres de Prison (Fonte: A. Gramsci,

Lettres de Prison, Gallimard, Paris, 1971, p. 423)

 

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