Nos pingos da chuva: quando a lembrança se torna direção

 


Entra o dia, sai a noite, e a busca continua. Um ciclo que se repete dentro de alguém que caminha pelas ruas, pelas cidades e pelos próprios sentimentos, tentando encontrar uma presença que já não está mais ali. Talvez nunca tenha estado por completo. Mas a sensação é nítida: ela existe, já existiu, e deixou marcas profundas.

A saudade, estranha e intensa, não tem um nome definido. Ela é tamanha que ocupa o espaço de uma pessoa real, como se fosse um retrato borrado de alguém que foi visto em algum tempo, em algum lugar. Não é invenção — é lembrança. E a lembrança insiste em voltar, noite após noite, acompanhando cada passo, cada esquina, cada silêncio.

Os olhos. É sempre por eles que a memória começa. Eram como esferas de sol e de luar — brilho e mistério, luz e sombra, dia e noite. Uma dualidade que hipnotiza. Eram também como naves de prata: rápidas, distantes, fugazes. Houve um momento em que estavam ali, presentes, mas de repente perderam contato e sumiram no ar.

Essa coisa que segue, que não larga, que aperta o peito, tem nome: lembrança. E ela persegue como uma sombra clara, como um perfume leve que não se sabe de onde vem. É como correr na lâmina da aflição, sem saber se se foge ou se se entrega.

Acabado o show — o espetáculo da vida, das viagens, das cidades que mudam de rosto — o vazio retorna. E mesmo com tudo de ponta-cabeça, o coração ainda insiste que ela pode estar perto, em algum lugar entre o dia e a noite, naquele instante onde o tempo parece suspenso e tudo acontece ao mesmo tempo dentro do peito.

O cenário pode mudar: outra louca cidade, novos rostos, novas emoções. Mas a vontade permanece a mesma — revelar o que não foi dito, encontrar o que não foi vivido, compreender o que ficou para trás. O nome dela ecoa, até mesmo nos pingos da chuva. Como se o céu chorasse por ela também.

E então, a esperança. O coração se prepara para flutuar. Como quem decide não mais se prender ao chão, mas se abrir ao desconhecido, ao reencontro possível. Porque a lembrança, por mais dolorosa, também é guia. Ela aponta um caminho, mesmo que incerto, mesmo que desenhado nas nuvens, mesmo que escrito no som da chuva.

Esse sentimento, que acompanha e comove, é a matéria de que são feitos os grandes amores — os que existiram por um instante ou por uma vida inteira. E ainda que tudo tenha sumido no ar, os olhos dela ainda chamam, nos pingos da chuva, na melodia da saudade, no centro do coração.

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