Há momentos em que o amor, ao invés de florir, se recolhe. Em que o que parecia eterno torna-se fragmento espalhado pelas ruas de uma cidade silenciosa. Nesses instantes, compreender o que nos feriu — e por que feriu tanto — parece impossível. O texto que nos guia aqui fala exatamente disso: da dor que não tem palavra, da ausência que ocupa cada esquina da memória, do silêncio que veio morar num quarto vazio.
"Para melhor a gente compreender / O que
feriu sem parar e te levou"..., como diz a canção do Grupo 14 Bis. Eis o ponto de partida: tentar entender o
que não se explica. Algumas separações não vêm com motivos claros. Elas apenas
acontecem, como tempestades súbitas. De repente, tudo se desfaz. Nenhum lugar,
nenhuma palavra, e o que restou “de nós dois” já não faz sentido.
A tentativa de não pensar é natural — uma
defesa emocional. Mas ao evitar as lembranças, nos trancamos. E o pior é que,
muitas vezes, nos trancamos sem querer, num lugar que nem sabemos nomear.
A esse lugar se dá o nome de solidão. Mas não qualquer solidão — e sim aquela
que é "distante demais", que transforma a alma numa ilha sem ponte.
Ela não apenas nos afasta do outro, mas de nós mesmos.
E então a esperança aparece, frágil, mas viva:
“Uma nova manhã... e nem sei quando virá. Mas virá.”
Essa é a centelha que se acende no fundo do peito, mesmo quando tudo parece
escuro. Uma afirmação que ecoa mais como desejo do que como certeza — mas
ainda assim, existe. O amanhã pode demorar, mas há sempre um futuro
adormecido dentro da espera.
Ao mesmo tempo, o texto traz uma das
constatações mais duras do amor que acaba: "Era melhor a gente não
conhecer o que passou a chamar felicidade."
Essa frase guarda uma melancolia profunda. Ter experimentado a felicidade com
alguém, e depois perdê-la, por vezes dói mais do que nunca tê-la conhecido.
Afinal, aquilo que um dia foi luz passa a ser ausência luminosa — uma saudade
do que foi e do que não será mais.
E enquanto isso, a cidade segue indiferente. O
mundo gira, mas dentro de quem sofre, o tempo para. O amor deixa rastros
invisíveis nas calçadas, ecos em lugares comuns. A saudade ganha corpo nos
cafés, nas praças, nos ônibus, nos bancos da memória. Não há mais “nós dois”,
mas o que ficou está espalhado pelas ruas, sem endereço certo.
A repetição, no texto, não é apenas recurso
poético — é expressão de um pensamento que insiste em voltar ao mesmo ponto.
A mente tenta processar, repete, recua, retorna. É como se o coração, em luto,
girasse em círculos tentando encontrar a saída de um labirinto emocional.
E então vem o desfecho mais íntimo, mais cru:
"Já não tem mais jeito, perdi a razão."
É o momento em que se reconhece o limite da compreensão. Quando o corpo se
liberta da presença do outro, mas o pensamento ainda está preso. Um “corpo
livre e sem sono” que caminha pela madrugada de si mesmo, tentando reencontrar
algum sentido.
O silêncio, agora, não é só ausência de som.
Ele mora no quarto, respira junto, ocupa a cama, invade os armários,
encosta nas janelas. Ele está presente como uma presença invisível — e
insuportável.
Mas, paradoxalmente, esse mesmo silêncio pode
ser fértil. No espaço onde antes havia ruído, pode crescer algo novo. Nem
sempre será amor de novo. Talvez seja autoconhecimento, resiliência,
amadurecimento. Talvez a nova manhã demore a chegar. Mas quando vier,
encontrará um quarto mais arejado, um coração mais leve.
O Fim também é matéria de poesia
Esse texto nos lembra que até o fim de um
relacionamento pode ser matéria de arte, de sensibilidade, de reconstrução. A
dor, embora árida, pode conter beleza. E mesmo os vazios, quando olhados de
frente, têm seus contornos. Eles nos ensinam onde não voltar, mas também
revelam para onde, quem sabe, um dia possamos ir.
Talvez mais sóbria, talvez menos ilusória — mas ainda assim, cheia de possibilidades.
Nova
Manhã
14 Bis
O que feriu sem parar e te levou
Nenhum lugar e nada para falar
O que ficou de nós dois não faz sentido
Procurei não pensar
Me tranquei sem querer
Num lugar que nem sei
Solidão
É distante demais
Uma nova manhã
E nem sei quando virá
Mas virá
Era melhor a gente não conhecer
O que passou a chamar felicidade
Nenhum lugar e nada para falar
Do que ficou de nós dois pela cidade
Procurei não pensar
Me tranquei sem querer
Num lugar que nem sei
Solidão
É distante demais
Uma nova manhã
E nem sei quando virá
Mas virá
Era melhor a gente não conhecer
O que passou a chamar felicidade
Nenhum lugar e nada para falar
Do que ficou de nós dois pela cidade
Procurei não pensar
Me tranquei sem querer
Num lugar que nem sei
Solidão
É distante demais
Uma nova manhã
E nem sei quando virá
Mas virá
Já não tem mais jeito, perdi a razão
Tudo novo, corpo livre e sem sono
É como o silêncio que veio morar
Nesse quarto, corpo livre e sem sono
Já não tem mais jeito, perdi a razão
Tudo novo, corpo livre e sem sono
É como o silêncio que veio morar
Nesse quarto, corpo livre e sem sono
Compositores: Flavio Venturini / Tavinho Moura / Vermelho
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