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Terminal Dona Zulmira, no Setor Oeste de Uberlândia |
Este artigo analisa criticamente a configuração espacial e a quantidade
de terminais de integração do Sistema Integrado de Transporte de Uberlândia
(MG), cidade de médio porte com população estimada em 713 mil habitantes (IBGE,
2022). Baseando-se em dados operacionais, princípios internacionais de
planejamento de transporte público e estudos de caso concretos, demonstra-se
que a densidade excessiva e a localização inadequada dos terminais comprometem
a eficiência do sistema, aumentam o tempo de viagem dos usuários e podem gerar
efeitos contrários aos objetivos de sustentabilidade urbana.
Introdução
Sistemas de transporte público baseados no modelo tronco-alimentador dependem criticamente da localização estratégica de seus terminais de integração. Estes servem como pontos nodais que otimizam a conexão entre linhas alimentadoras, que coletam passageiros em áreas de menor densidade, e linhas troncais, que percorrem os eixos de maior demanda, minimizando o tempo total de viagem porta-a-porta para o usuário. Essa arquitetura visa racionalizar a frota, aumentar a frequência em eixos de alta demanda e oferecer cobertura abrangente.
Uberlândia, uma importante cidade de médio porte no Triângulo Mineiro,
adotou este modelo com múltiplos terminais de integração. No entanto,
evidências operacionais observadas e a percepção dos usuários apontam para uma
configuração que, em vez de otimizar, parece violar princípios técnicos
consagrados no planejamento de transporte. O resultado são ineficiências
operacionais significativas e prejuízos diretos ao tempo e conforto do usuário,
transformando o que deveria ser uma solução de mobilidade eficiente em um
aparente gargalo.
Diagnóstico: Distribuição Espacial e Densidade de Terminais
A análise das distâncias entre os principais terminais do Sistema
Integrado de Transporte de Uberlândia revela um padrão preocupante,
especialmente quando comparado com as melhores práticas internacionais e as
diretrizes de planejamento urbano para sistemas de transporte público. As
distâncias são as seguintes:
- Terminal Dona Zulmira ↔
Terminal Planalto: 3.5 km
- Terminal Planalto ↔
Terminal Canaã: 5.2 km (via Av. Dimas Machado) a 6.0 km
(via Av. Paulo Firmino)
- Terminal Canaã ↔ Terminal
Central: 8.2 km a 9.4 km (dependendo da rota)
- Terminal Novo Mundo ↔
Terminal Central: 8.5 km
- Terminal Universitário (previsto) ↔
Terminal Central: 7.1 km
- Terminal Industrial ↔
Terminal Central: 6.3 km
- Terminal Central ↔ Terminal
Dona Zulmira: 6.7 km
Terminais muito próximos tendem a competir pela mesma fatia de demanda,
fragilizando a funcionalidade de ambos e, muitas vezes, forçando transbordos
desnecessários onde uma linha direta seria mais eficiente.
Impactos operacionais e na experiência do
usuário
A proximidade inadequada e a possível redundância de terminais em
Uberlândia geram consequências diretas e negativas que afetam tanto a
eficiência operacional do sistema quanto, e mais importante, a experiência
diária dos usuários:
- Aumento do Tempo de Viagem
e Transbordos Forçados:
- Caso 1 (Morumbi - Centro): Um
exemplo eloquente é a substituição de uma linha expressa, que levava 20
minutos do bairro Morumbi ao Terminal Central. Com a implantação do
Terminal Novo Mundo, a viagem se tornou obrigatória via este novo
terminal antes de seguir para o Central, resultando em um tempo de
deslocamento de 40 minutos. Isso representa o dobro
do tempo de viagem para o mesmo par origem-destino. Este é um
caso clássico de como a busca por um modelo "integrado" pode,
paradoxalmente, violar o princípio fundamental da minimização do tempo
porta-a-porta, penalizando diretamente o passageiro com mais tempo em
trânsito e em esperas que não agregam valor.
- Caso 2 (Jardim Célia -
Maravilha): Para percorrer uma
distância de apenas 12.5 km, um morador do Jardim Célia (Setor Oeste) que
trabalha no bairro Maravilha (Setor Norte) precisa usar 3 ônibus e passar
por 3 terminais de integração, com um tempo de viagem que atinge 90
minutos (1 hora e meia). Do ponto de vista técnico em planejamento de
transporte, para uma distância dessa magnitude, um sistema otimizado
deveria, no máximo, exigir uma única conexão (um transbordo), e o tempo
total de viagem esperado estaria na faixa de 30 a 40 minutos, incluindo
um tempo de espera razoável pela conexão. A necessidade de duas conexões
adicionais desnecessárias eleva exponencialmente a penosidade da viagem,
o tempo de espera nos terminais e o custo social associado ao
deslocamento diário, impactando a produtividade e a qualidade de vida.
- Fragmentação da Rede: A
alta densidade de terminais força a divisão artificial de linhas que, em
um planejamento de rede mais otimizado, poderiam ser diretas ou
semi-diretas. Isso cria transbordos obrigatórios em pontos onde não são
tecnicamente necessários para a eficiência global da rede, mas são
impostos pela estrutura e operação dos terminais. Essa fragmentação
desnecessária pode, inclusive, aumentar o número de viagens
"vazias" ou com baixa ocupação entre terminais, impactando
negativamente a eficiência do combustível e a ociosidade da frota.
- Erosão da Competitividade
do Ônibus: Viagens mais longas, com mais esperas e
múltiplos transbordos, tornam o transporte coletivo significativamente
menos atrativo frente ao automóvel particular ou, em alguns casos, a
alternativas como aplicativos de transporte. Essa perda de competitividade
é um dos maiores desafios para a sustentabilidade do transporte público em
cidades de médio porte, onde a decisão por modos de transporte é mais
fluida e a posse do automóvel é economicamente mais acessível do que em
grandes metrópoles com opções de metrô e trens de alta capacidade. O
resultado é um ciclo vicioso: a ineficiência afasta usuários, que migram
para o transporte individual, aumentando o congestionamento nas vias, a
demanda por estacionamento e as emissões de poluentes, o que, por sua vez,
dificulta ainda mais a operação eficiente do próprio transporte público.
- Distância Mínima entre
Terminais: Os dados apresentados mostram que
distâncias como 3.5 km (Dona Zulmira-Planalto) e 5.2-6.0 km
(Planalto-Canaã) estão significativamente abaixo
do padrão de 7-12 km recomendado para terminais troncais. Isso
implica uma sobreposição funcional substancial das áreas de influência
desses terminais, sugerindo um potencial duplicação de infraestrutura e a
fragmentação da rede em trechos demasiadamente curtos para justificar
múltiplas baldeações obrigatórias.
- Demanda Agregada e Justificativa de Operação: A não conformidade com o padrão de distância mínima levanta questões sobre a demanda agregada. Não há evidências claras de que todos os terminais em Uberlândia atendam ao patamar mínimo recomendado de >20.000 passageiros/dia para justificar sua operação como um ponto troncal principal. Terminais com demanda abaixo desse limiar podem ser ineficientes do ponto de vista de custos operacionais e de manutenção da infraestrutura, além de não gerarem a massa crítica de passageiros necessária para justificar a complexidade de múltiplas conexões.
- Papel Estratégico e
Localização: A análise sugere que alguns terminais
podem não ser efetivamente pontos de origem/destino massivo ou baldeação
estratégica natural baseada em grandes polos geradores de demanda
(universidades, grandes centros comerciais, distritos industriais
consolidados, etc.). Em vez disso, sua implantação pode ter sido motivada
por conveniência operacional das empresas, facilidade de aquisição de
terrenos ou mesmo por decisões políticas de regionalização, em detrimento
de análises técnicas rigorosas de demanda e fluxo que otimizariam a rede
para o usuário.
- Não Duplicação/Fragmentação de Viagens: O modelo atual, conforme exemplificado pelos casos de Morumbi e Jardim Celi, claramente fragmenta viagens que poderiam ser mais diretas ou exigiriam, no máximo, um único transbordo. Isso contraria o princípio de que a integração deve simplificar, e não complicar, o deslocamento do passageiro, aumentando sua eficiência e conforto.
- Redução do Tempo de Viagem: Crucialmente, em vez de reduzir, os casos analisados demonstram que o sistema atual aumenta o tempo de viagem para trajetos comuns. Este é um indicativo de falha grave na concepção e operação de qualquer sistema de transporte público eficiente. A meta primordial de todo o planejamento de transporte deve ser a minimização do tempo porta-a-porta, um indicador crítico e direto para a satisfação do usuário e a competitividade do modal.
O Paradoxo:
terminais beneficiando o automóvel?
Teoricamente, terminais bem localizados e um sistema integrado eficiente
deveriam:
- Reduzir o número de ônibus
em áreas centrais congestionadas: A lógica é que as linhas alimentadoras
entregam passageiros nos terminais periféricos, e as linhas troncais, com
menos veículos (mas de maior capacidade), fariam o transporte para o
centro, concentrando o fluxo em eixos específicos e aliviando a pressão
sobre as ruas centrais.
- Incentivar modos ativos
(caminhada, bicicleta) para acesso aos terminais: Ao
facilitar a chegada ao terminal por meios não motorizados, o sistema
promoveria a micromobilidade e reduziria a dependência do carro para a
"primeira milha" da viagem, especialmente em regiões próximas
aos terminais.
- Integrar modais de forma
eficiente: Oferecer opções de estacionamento seguro
para quem vem de carro de áreas
mais distantes, incentivando o uso do transporte público no trecho
principal da viagem, e integrando-se a outros modais como táxis e serviços
de aplicativos de mobilidade.
No entanto, a evidência em Uberlândia sugere que terminais mal posicionados e em excesso, aliados a um planejamento
de rede que força baldeações desnecessárias, podem gerar efeitos
perversos:
- Inviabilizam o transporte
coletivo: Ao torná-lo lento, complexo e
desconfortável, essas falhas estimulam o abandono do ônibus por parte dos
usuários que têm a opção de comprar ou já possuem um carro ou moto. A
conveniência do transporte individual passa a superar a pouca conveniência
do transporte público.
- Aumentam o uso do
automóvel: Ex-usuários do ônibus, frustrados com o
aumento do tempo de viagem e o número de transbordos, migram para carros
particulares. Isso não apenas aumenta o volume de veículos nas vias,
contribuindo para congestionamentos ainda maiores, mas também eleva a demanda
por estacionamento e as emissões de poluentes na cidade.
- Frustram objetivos de
sustentabilidade urbana: Ao desincentivar o uso do transporte
público, essas configurações contradizem diretamente as políticas públicas
que visam incentivar o transporte coletivo, reduzir a dependência do
automóvel, diminuir a pegada de carbono urbana e melhorar a qualidade do
ar e de vida na cidade. A percepção pública de que o transporte público
está pior, e não melhor, é um entrave significativo para o desenvolvimento
urbano sustentável e para a construção de uma cidade mais humana.
A implantação de terminais baseada em uma lógica que prioriza, ou
acidentalmente resulta em um sistema menos eficiente para o passageiro, em vez
de aliviar o tráfego e promover a sustentabilidade, acaba por empurrar o
usuário para a solução individual, retrocedendo em todos os objetivos de
mobilidade urbana contemporânea.
A análise técnica apresentada leva a uma conclusão inescapável: Uberlândia não necessita da quantidade atual de terminais de
integração, distribuídos na configuração espacial existente, para o seu porte e
modelo de rede. A densidade excessiva e a possível má localização
resultam em:
- Fragmentação
desnecessária das linhas, forçando baldeações que poderiam ser evitadas.
- Aumento significativo e
injustificado do tempo de viagem dos usuários, desrespeitando o valor
temporal do cidadão e sua qualidade de vida.
- Desestímulo ao uso do
transporte coletivo, comprometendo sua base de usuários e sua
sustentabilidade financeira e ambiental.
- Potencial efeito
contrário aos objetivos de mobilidade sustentável, contribuindo para o
aumento do congestionamento e da poluição, e não para sua solução.
A política de expansão de terminais parece ter priorizado uma lógica operacional interna (como a gestão da frota ou conveniência das empresas operadoras), e talvez até a facilidade de implantação em terrenos disponíveis, em detrimento da lógica fundamental do usuário: eficiência da integração temporal e conforto. Em um contexto urbano dinâmico como o de Uberlândia, a rigidez de um sistema com terminais em excesso e mal posicionados pode se tornar um fardo pesado, não uma solução que impulsiona o desenvolvimento urbano.
Recomendações técnicas
Para realinhar o sistema com as necessidades da cidade e as boas
práticas de planejamento de transporte, recomenda-se uma revisão abrangente e
tecnicamente embasada:
- Atualização urgente da
matriz Origem-Destino (OD): É fundamental realizar um novo e
completo estudo de origem-destino para compreender os padrões reais de
deslocamento da população, as demandas reprimidas e as rotas mais
frequentes. Este estudo deve ir além dos dados de bilhetagem e incluir
pesquisas domiciliares e tecnologias de rastreamento de movimento
(anonimizadas) para uma visão mais precisa.
- Reestruturação ousada da
Rede de Linhas: Com base na nova matriz OD, é preciso
reintroduzir ou fortalecer linhas diretas e semi-diretas entre os
principais polos geradores e atratores de alta demanda. Isso significa
menos transbordos para trajetos comuns e mais agilidade. A otimização deve
buscar o menor tempo de viagem e o menor número de baldeações para o maior
número de usuários, mesmo que isso implique em uma reorganização profunda
das linhas atuais.
- Implementação de Corredores
Estruturantes: Investir na implantação de sistemas de
maior capacidade (como corredores de BRT ou faixas exclusivas
em eixos principais, com estações espaçadas a distâncias adequadas
(próximas ao ideal de 7-12 km). Isso reduziria a pressão sobre os
terminais como únicos pontos de integração e agilizaria as viagens de
média e longa distância, atraindo mais passageiros e desincentivando o uso
do carro.
- Revisão crítica da Rede de Terminais: Avaliar tecnicamente a real necessidade e funcionalidade de cada terminal existente, considerando sua demanda efetiva, sua localização estratégica e sua contribuição real para a eficiência da rede. Esta avaliação pode levar a:
- Fechamento ou Desativação: De
terminais comprovadamente redundantes ou com sobreposição funcional
crítica e baixa demanda (e.g., uma reavaliação da necessidade de
terminais como Dona Zulmira e Planalto em tão pequena distância).
- Reclassificação:
Transformar alguns terminais em pontos de integração secundários,
estações de corredor, ou meros pontos de baldeação assistida, sem forçar
transbordos obrigatórios para viagens que não demandam essa interrupção.
O objetivo é que o terminal seja uma opção flexível, não uma imposição
restritiva.
- Priorização do Usuário como
Eixo Central: Estabelecer como meta primordial do
sistema a redução do tempo total de viagem
porta-a-porta e o aumento da qualidade do serviço
(conforto, confiabilidade, informação em tempo real). Indicadores de
desempenho devem focar primordialmente na experiência do usuário e em sua
satisfação, e não apenas em métricas operacionais internas que,
isoladamente, podem mascarar a ineficiência global do sistema.
- Transparência e
Participação Pública: Apresentar as análises, diagnósticos e
propostas de revisão do sistema de forma transparente à população,
promovendo a participação e o diálogo. A confiança do usuário é
fundamental para a aceitação e o sucesso de qualquer mudança significativa
no transporte público.
Considerações Finais
O caso de Uberlândia serve como um alerta importante e uma lição valiosa
para outras cidades que planejam ou já implementaram sistemas de transporte
integrado: mais terminais não significam necessariamente um sistema melhor ou
mais eficiente. A infraestrutura, por mais moderna que seja, deve ser um meio
para a eficiência do serviço, e não um fim em si. O planejamento deve ser
guiado por critérios técnicos rigorosos – distâncias mínimas
adequadas entre polos de integração, capacidade de demanda crítica agregada,
minimização de transbordos e do tempo total de viagem – sempre colocando o cidadão usuário no centro de todas as decisões.
A correção da atual configuração espacial e quantitativa dos terminais
em Uberlândia não é apenas uma otimização operacional ou uma questão de corte
de custos; é um passo fundamental e urgente para tornar o transporte coletivo
uma opção verdadeiramente competitiva, eficiente e sustentável. Ignorar esse
paradoxo da densidade pode condenar o transporte público a um papel secundário
e marginal na cidade, com sérias consequências para a qualidade de vida, a
economia local e o meio ambiente urbano. O futuro da mobilidade em Uberlândia
depende de uma revisão corajosa e tecnicamente sólida de seu sistema de
integração.
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