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Frank Barroso pedalando com sua filha Giulia em 2017 |
Hoje me sinto triste, não tenho com quem desabafar, apenas com o
microfone do telefone. Nas minhas andanças recentes, pensava sobre o amor – o amor que eu não tive, o amor que não recebi.
Um amor derramado, um amor fragmentado. Era tanto amor frágil que eu tinha
medo, eu me sentia inseguro. Achava que o amor não existia, que não podia me
alcançar, e que eu mesmo não podia amar, que não seria capaz de cuidar. Que eu
não seria capaz de ter a grandeza de falar que eu queria amar, que eu amava,
que eu era capaz de amar.
Amei várias mulheres como se fossem pedaços de um grande amor, como se
fossem pétalas de uma flor que se desmanchou. Nesse caminho, eu, que sempre
procurei ser bom – como se o bem fosse uma consequência de amar –, chorava por
não me sentir amado, por me sentir abandonado. Ao mesmo tempo, achava que amava
a humanidade, amava a coletividade, e me dediquei a cuidar das pessoas, do
coletivo.
Queria que as pessoas fossem felizes, que não sofressem por falta de
moradia, por pobreza, por falta de comida, falta de afeto. Queria que as
pessoas não sentissem dores, que não adoecessem. Queria curtir a vida, queria
ser feliz. Eu quis organizar festas para as pessoas ficarem felizes, queria que
as pessoas ficassem maravilhadas por se encontrar, porque o encontro é algo
fantástico. Encontrar, sorrir, abraçar e curtir a vida.
Eu achava que o amor era se dedicar a cuidar do outro, a fazer o outro
feliz.
As Complexidades do Amor e as Consequências da
Escolha
Há uma parte do amor que é bem complexa: o amor paixão, o amor sedução,
o amor desejo por uma mulher que se quer dizer amada e, às vezes, não é amada.
Porque você mesmo não sabe nem o que é amor e também não consegue entender se
aquela mulher te ama.
Dessas relações, desses conflitos entre o conceito de amar e a prática
do amor, muitas vezes você se perde, perde na carência, perde a essência. E
acaba bebendo um líquido que te deixa ébrio, sem a verdade clara, com a visão
turva, os desejos confusos e a sedução ainda mais perdida. Você encontra uma
mulher, entrega seu desejo para ela, seduz aquela mulher, faz relação sexual –
que muitos chamavam de amor, "vamos fazer amor" – e acaba produzindo
um ser. Um ser que você não sabe como vai ser.
Mas a surpresa é que uma mulher que se diz querer amar e quer ficar com
você por amor é capaz de abandonar um filho que seria fruto de um amor, ou que
esperaria que pudesse amar. E eu, na minha concepção filosófica de amar e de
ser bom, de não abandonar e de cuidar, resolvi que queria cuidar de um
recém-nascido que a mãe não quis, que a mãe virou as costas e negou-lhe os
seios para alimentar, os seios maternos que dariam o alimento primeiro para
aquele ser vivo.
Mas eu queria, eu queria e tinha vontade de mostrar que era bom. Talvez
eu tenha errado, talvez eu tenha sido vaidoso e egoísta por achar que era capaz
de cuidar de um ser humano recém-nascido sozinho, de fazer tudo o papel que uma
mãe faz para cuidar do filho, de uma filha. E errei. Eu errei. Foram vinte e
cinco anos em que me sinto despedaçado por um erro irreparável, porque não deu
certo.
O Fracasso na Paternidade e a Angústia do Passado
Tentei várias formas de amar, de cuidar, como se faz amor de janeiro a
janeiro, prometi amar, e não deu certo. Fui muito duro muitas vezes na busca de
transformar aquela filha, a minha filha, em um ser humano melhor. Na busca de
que ela pudesse ter uma formação, uma cultura que lhe desse uma maturidade, que
pudesse ser útil para o mundo, ser importante e ser necessária para servir e,
ao mesmo tempo, ser remunerada para sobreviver com dignidade.
Mas não deu certo. Me sinto… não é uma palavra que se fala
"fracassado", mas a palavra que mais cabe é inconsequente. Eu fiz a escolha egoísta, achando que
podia amar, que era capaz de amar, e não era. Como falei no início, o amor
fragmentado, o amor perdido, o amor sem sentido. O amor que talvez eu nunca
entendi.
Ainda não entendo porque as pessoas às vezes falam que são suas amigas e
te traem, passam a perna. Enganam. Muita gente é amiga por vaidade, amiga por
interesse. Como na época eu fazia festa pra caramba, eu tinha muitos amigos que
vinham pra beber, fazer as festas, pra curtir as festas que eu estava fazendo.
Mas e o amor, onde é que estava?
O amor deve ter, ele tem várias facetas, né? Pode ser o amor fraterno,
que é o mais difícil nas relações sociais. O amor familiar, que acontece de
verdade em muitas famílias bem estruturadas, que têm avô, têm avó, que eu
conheço muito bem. Conheci em Brasília, conheço em Uberlândia. Então, é difícil
não sentir tristeza de você perceber que aquele tempo que você dedicou foi
perdido.
Reflexões Atuais e a Busca por Sentido
É o que eu penso hoje, dezoito de junho de dois mil e
cinco, aniversário da minha filha. Só me faz pensar que perdi meu
tempo, que errei. Talvez tenha sido o maior erro da minha vida, que consumiu
horas da minha existência, dias da minha extensão material nesse mundo, que eu
poderia ter gasto com outra coisa. Ou servindo mais ao coletivo, à comunidade,
ou me dedicando à minha formação educacional, à minha profissão.
Porque, na verdade, se você cuidar de um filho, é uma renúncia. É uma
renúncia muito forte. Por alguns momentos, eu falhei nessa renúncia, e algo deu
errado. Ou foi o mundo que ficou louco e deixou nossos jovens perdidos, e os
pais incapazes de corrigir e de ajudar a que esses filhos sejam melhores.
Mas, de fato, é uma coisa que não domino, e eu tento controlar e amarrar
com uma corda essa angústia. Angústia tão difícil de
segurar, de prender, que eu queria ter um cabo de aço para amarrá-la, prendê-la
e arrumar um tanque ou um banco pra prendê-la lá e que essa angústia não me
perturbasse. Que essa tristeza não chegasse perto de mim, não sobressaísse da
escuridão da minha mente, do meu inconsciente ou do superego. Superego,
repressão que reprime até aquilo que você fez no passado, que te tortura,
dizendo que você errou, que você perdeu seu tempo. Como se fosse uma bronca, um
sermão moral, uma tristeza que vem como uma chicotada e você não tem como
resolver mais nada. Porque o passado não tem jeito.
O passado está lá atrás, está morto. Mas ele ainda surge como brasas
queimando o seu coração. Como brasas que, ao chão, você caminha e sente seus
pés ardendo, queimando. É um fogo sem nenhuma substância inflamável, é como se
fosse um fogo que vem do infinito e te queima. Uma incineração da história de
suas experiências que você não entende, mas perturba, destruindo todas as
memórias boas e felizes.
O Brilho Efêmero e a Ilusão da Filosofia
E você fala assim: "Por que eu não fiz isso? Por que eu não
melhorei? Por que eu não fui melhor?". A gente acha que é tão bom, mas é
tão incompetente para amar, não sabe como amar direito. Fracassa no objetivo
que você se propôs a cuidar, amar. E aí morre tudo: morre o carinho, morre o
afeto, morre a aproximação, morre a convivência.
É como se fosse um prédio desabando. Mas a gente sabe que o prédio, até
numa guerra, tem os escombros. Os escombros poderiam ser aproveitados para
fazer uma nova casa. E eu me pergunto: será que de tudo isso que aconteceu,
esses escombros de uma relação de pai e filha que desabou, e que destruiu todos
os destinos e objetivos positivos, possa servir para uma esperança de
reconstrução? Eu acho difícil, muito difícil mesmo.
Esse desabafo está ficando tão longo que vou ter que interromper. Até a
poesia, meu lirismo foi afetado. Além disso, esse processo foi também provocado
pelo trauma de um acidente que piorou tudo. Destruiu muita coisa, minha
vontade, destruiu meu rio de lágrimas que está secando. Daqui a um dia, não vai
ter uma gota sequer de lágrima para chorar, de tanta dor, de tanta perda.
Eu fico triste porque eu sempre quis ser uma pessoa boa, eu sempre quis
viver para um mundo melhor, promover a felicidade, e não consegui fazer minha
filha ser feliz. Eu sinto momentos de felicidade por muitos momentos na minha vida, várias vezes a dopamina ficou
alta. Às vezes ouvindo uma boa música, curtindo, dançando, numa relação sexual
e tantos outros eventos eu senti êxtase de ser feliz. Às vezes olhando para o
meu passado e vendo tanto de bom que eu fiz, coisa boa, tanto que eu fui bom,
que eu me engano, achando que fui feliz demais, mais na verdade foram apenas
gotas de felicidade.
Mas eu não sei, talvez eu não seja nada, nem pó. Porque o pó irrita, né?
O pó suja o chão, o pó aparece. Talvez eu seja uma faísca quântica
viajando a milhões de anos-luz, perdido. Tão, tão longe que ninguém enxerga a
potência que você tem, a sua bondade. A não ser que algumas pessoas, em alguns
momentos, queiram um pouco da sua luz. Mas é uma luz tão distante que chega a
ser fraca. Porque a vida tem disso.
O sol é uma bola de fogo, uma luz, um astro incandescente tão forte, tão
forte e tão fraco que uma frente fria, uma frente polar vem, abafa seu calor e
sua luz, e você sente frio. Você sente que o sol sumiu, o sol desapareceu. Mas
o sol está ali. Basta dissolver uma frente fria, basta a neve dissolver, que
você sente novamente o calor e a luz incandescente.
Talvez a gente seja um pouco de sol, um sol que, em alguns momentos da
vida, você consegue ser forte e incandescente. Mas com algumas coisas que
acontecem, você se apaga, você congela, você esfria tudo. Você esfria
relacionamento, esfria projeto, e tudo. Mas não somos sol. Não somos sol, nem estrela alguma, como diz o Marcelo
Gênesis: "Nós nascemos para brilhar". A gente brilha muito pouco,
brilha tão pouco que, na poeira, talvez diante do espaço-tempo possa durar o
tempo do brilho de centelha. Porque o nosso brilho não tem um combustível que
possa reacender a luz e a esperança.
Amor, Poder e a Busca pela Liberdade
A gente se perde tanto, fica tão fragmentado, tão perdido. E alguns se
esquecem o ser em busca da ganância, do poder, de apropriar-se do material do
mundo, do terreno do mundo. E acaba fazendo muito mais mal do que muita gente
iamgina. Mas pelo menos eu tenho comigo que eu nunca quis acumular nada, nem se
apropriar das riquezas desse mundo. Eu só queria amar.
Eu nem penso muito em ser amado; ser amado seria um egoísmo pior ainda.
Mas eu queria amar para fazer as pessoas felizes, fazer as pessoas melhores.
Mas o amor ele não exclui a correção e nem a firmeza de cobrar do outro perfeição, realização, compromisso,
determinação e disciplina. Isso é difícil demais, quase impossível.
Tem tanta coisa que podia falar sobre isso, podia explicar sobre as
relações microfísicas do poder. Porque infelizmente a gente pensa em amar, mas
o poder do ser humano sobre o outro, esse controle, destrói muita coisa. É
tanta coisa porque é difícil você encontrar uma explicação para o porquê o amor
não dá certo, por que o amor se transforma em tantos destroços, né? Destroços,
porque você vira, transforma o amor em relação de poder, de controle. Você quer
que seu filho seja um ser humano bom na sua concepção e quer impor essa ideia
que você tem da bondade. E às vezes isso não é bom. Às vezes o que é bom é a liberdade.
Essa liberdade que eu sempre quis, essa liberdade que sempre nos é
roubada, né? Roubada pela disciplina, pela exploração do homem pelo homem. Liberdade
que é roubada pela existência, porque você é obrigado a se sujeitar, a submeter
a cada coisa que você não concorda, que te tira o direito de ser livre. E essa
liberdade você entrega em troca de pão, em troca de uma moradia, em troca do
direito de ir e vir, em troca do direito de um salário.
É tanta coisa que esse mundo nos mostra , que nos tira a atenção, nos
distrai, que é difícil você encontrar realmente a verdade. A filosofia, ela
engana a gente também. É como se fosse uma bebida alcoólica, uma droga que
inebria. Você se acha fantasiado e feliz porque descobriu a verdade através da
filosofia. Mas a filosofia não é um porto tão seguro, porque te deixa triste,
angustiado. Veja os filósofos estoicos, veja Sêneca, as histórias des filósofos
da antiguidade, quanto suicídios aconteceram?. Quais foram o destino deles? É,
mas também é difícil ser livre, não é? É difícil ser livre pela palavra e pelo
agir. Tem todo um sistema que prende a gente e que atrapalha a gente de ser
feliz, que atrapalha você amar.
E amar, uma palavra tão pequena, tão dita... por que há tanto ódio?
Frank Barroso
Desabafo em 18.06.2025
Aniversário de 25 anos de minha filha que cuidei sozinho.
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