Vivemos sob a ilusão de liberdade. Acreditamos
que temos escolhas, que somos protagonistas de nossas vidas, donos do nosso
tempo. Mas, na prática, o que se vê é uma multidão acordando antes do sol,
enfrentando ônibus lotados, labutando por doze horas e voltando para casa
apenas para dormir — tudo isso em nome de um sistema que batiza de
"emprego digno" uma rotina exaustiva e desumana.
A jornada de trabalho 6 x 1 — seis dias
seguidos de trabalho por apenas um de descanso — é um retrato claro da lógica
de exploração do capitalismo tardio. Disfarçada de normalidade, essa
estrutura impõe ao trabalhador um ritmo de vida insustentável. Não há tempo
real para descanso, lazer, vínculos familiares, autocuidado ou desenvolvimento
pessoal. Há apenas trabalho, cansaço, contas e mais trabalho.
A promessa não cumprida da liberdade
O capitalismo prometeu liberdade. Liberdade
para consumir, para crescer, para ser o que se quiser. Mas entregou exaustão,
ansiedade e burnout. Sob o pretexto de progresso e meritocracia, muitos se
veem presos em rotinas que mal permitem respirar. O sistema te convence de que,
se você está cansado, é porque não se organizou direito. Se está infeliz, é
porque não é grato. Se não teve sucesso, é porque não se esforçou o bastante.
Enquanto isso, os empregadores se beneficiam
de jornadas longas, salários baixos, e descansos insuficientes — muitas vezes
aos domingos, o único dia que resta para lavar roupa, resolver pendências,
cuidar dos filhos ou descansar o mínimo para seguir existindo. É trabalho
que ocupa o corpo, mas consome a alma.
O 6 x 1 e o fim da subjetividade
Trabalhar seis dias e descansar um é, em
termos humanos, uma mutilação da subjetividade. Não se vive para
trabalhar. Mas o 6 x 1 transforma o tempo em moeda e a pessoa em engrenagem. O
que sobra para a arte? Para o amor? Para o silêncio? Para a criação? Pouco ou
nada.
A sociedade do desempenho exige produtividade
constante. Tudo é cronometrado, medido, avaliado. Não basta trabalhar — é
preciso render, bater metas, ser proativo, mostrar resultados. O corpo cede, a
mente adoece. E ainda assim, o sistema diz: "você não está fracassando,
está evoluindo".
Mas a verdade é outra: você não está
fracassando — está sendo explorado.
Quando o descanso vira luxo
O artigo 7º da Constituição Brasileira
assegura o direito ao repouso semanal remunerado. Mas o que significa um dia de
descanso após seis de opressão? É como oferecer água a quem já morreu de
sede. O descanso real não é só físico. Ele exige tempo, espaço e liberdade
mental. Coisas que o 6 x 1 rouba com eficácia.
O domingo, dia "livre", muitas vezes
é preenchido por tarefas domésticas acumuladas, cuidados com familiares, horas
de deslocamento e preocupações com a segunda-feira que já ameaça ao entardecer.
O tempo de ser foi transformado em tempo de sobreviver.
Caminhos possíveis
Não se trata apenas de mudar a escala.
Trata-se de reformular o sentido do trabalho na vida. É preciso repensar
a relação entre tempo, renda e dignidade. Jornada menor, semana de quatro dias
úteis, descanso real, direito à desconexão — são debates urgentes. Não como
utopias, mas como necessidades humanas.
Precisamos recuperar o tempo do afeto, da
arte, da rua, da contemplação, do sono, do inútil. Precisamos recuperar a vida.
E isso começa por compreender que a jornada 6 x 1 não é sinal de produtividade,
mas de servidão moderna.
Se você está cansado, exausto, à beira do
colapso — saiba que o problema não é você.
O problema é um sistema que prometeu liberdade e te entregou exaustão.
E a única resposta possível é resistir. Com voz, com arte, com luta — e com
coragem de imaginar uma nova forma de viver.
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