A palavra “utopia”, desde sua origem na obra
homônima de Thomas More no século XVI, carrega uma ambiguidade produtiva: ao
mesmo tempo em que significa “lugar que não existe” (do grego ou-topos),
também sugere um “lugar bom” (eu-topos). Ao longo da história, o
conceito foi usado tanto para criticar os limites da sociedade existente quanto
para imaginar novos modos de vida. Mas afinal, o que é utopia? E como ela pode
ser usada para pensar a esperança por um direito social?
Utopia não é uma ilusão ingênua ou um devaneio
irrealizável. Tampouco deve ser reduzida a um desejo momentâneo ou a uma
simples reivindicação pontual, como a luta por transporte público gratuito e de
qualidade — embora esta luta possa estar inserida dentro de um projeto maior,
mais utópico. Utopia, nesse sentido mais profundo, é uma construção imaginária
e crítica que aponta para além do presente, projetando uma sociedade diferente
e mais justa. É, como diria Ernst Bloch, o “princípio esperança” que move as
transformações.
A utopia é uma ferramenta poderosa para pensar
a esperança em tempos de desencanto. Ela nos permite perguntar: "E se
fosse diferente?" Ao fazer isso, desafia a naturalização das injustiças
sociais e convida à construção de outras formas de convivência. Quando falamos
em direitos sociais — como educação, saúde, moradia, transporte, lazer —
estamos lidando com dimensões concretas da vida coletiva. A utopia, nesse caso,
nos fornece a coragem de sonhar não apenas com o acesso a esses direitos, mas
com uma sociedade em que esses direitos sejam universais, inalienáveis e
respeitados de fato.
Reduzir a utopia a uma demanda específica —
como o passe livre — é empobrecer sua função crítica e transformadora. Não que
essa reivindicação seja ilegítima ou sem importância. Ao contrário, ela pode
ser um passo dentro de um caminho utópico maior. O problema está em confundir o
instrumento com o horizonte. Utopia não é apenas a luta por melhorias; é a
imagem de um outro mundo possível, que dá sentido e direção a essas lutas.
A utopia é, portanto, o sonho de uma nova
sociedade: mais igualitária, mais solidária, mais livre. Sonho que não se
limita à contemplação, mas se traduz em ação política, em movimentos sociais,
em práticas cotidianas. É a força que permite transformar o impossível de hoje
no possível de amanhã. Ela nos lembra que o mundo como está não é o único mundo
possível.
Em tempos de crise e desesperança, recuperar a
utopia é recuperar o poder de imaginar e de lutar. Ela não substitui a política
concreta, mas a inspira. Sem utopia, perdemos a capacidade de sonhar com o
comum. Com ela, fazemos do sonho uma semente de futuro.
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