A questão da humanização e desumanização dos seres humanos,
em um contexto real e histórico, revela as possibilidades inerentes à condição
humana: a capacidade de transcender suas limitações ou de sucumbir a um sistema
que degrada a dignidade humana. Ambas são possibilidades reais, uma vez que os
homens, como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão, estão
constantemente em processo de construção e transformação. Entretanto, se ambas
são possíveis, a humanização se apresenta como a verdadeira vocação dos seres
humanos, ainda que muitas vezes essa vocação seja negada pelas estruturas de
opressão.
A Vocação humana: caminho para a humanização
A humanização, compreendida como a realização do ser humano
em sua plenitude, é uma construção contínua e coletiva. Paulo Freire, um dos
maiores pensadores sobre o tema, afirma que a vocação humana é a busca por ser
mais, um processo em que o indivíduo reconhece a si mesmo como um ser inacabado
e luta para superar suas limitações através da práxis, isto é, da reflexão e
ação transformadoras. Nesse sentido, a humanização é um caminho que envolve a
superação da opressão e das estruturas de injustiça que cerceiam a liberdade e
a dignidade dos indivíduos.
No entanto, essa vocação para a humanização frequentemente
se vê negada pela realidade histórica. Injustiças, exploração, opressão e
violência se impõem sobre os indivíduos, especialmente sobre os oprimidos,
roubando-lhes a humanidade. Nesse contexto, a desumanização não é apenas a
perda de dignidade de quem é oprimido, mas também uma distorção da vocação de
quem oprime. O opressor, ao desumanizar o outro, acaba por desumanizar a si
mesmo, mesmo que de maneira diferente. A violência e a opressão, instrumentos
de dominação, não apenas destroem as vítimas, mas também corroem a humanidade
de quem perpetua essa violência.
Desumanização: distorção da vocação humana
A desumanização é, portanto, uma distorção da vocação do ser
humano para ser mais. Ela não é parte natural ou inevitável da condição humana,
mas sim o resultado de uma ordem social e histórica injusta que gera violência
e desigualdade. Se aceitássemos que a desumanização é o destino dos seres
humanos, cairíamos no desespero ou no cinismo, acreditando que não há nada a
fazer senão aceitar a brutalidade e a opressão como fatos inalteráveis da
existência. No entanto, a desumanização não é um destino dado; ela é uma
construção social, um produto das relações de poder que exploram e oprimem.
Freire nos alerta para o fato de que, ao admitir que a
desumanização é uma distorção histórica, reconhecemos também que ela pode ser
transformada. O ser humano não está condenado à opressão, mas possui a
capacidade de lutar contra ela. A luta pela humanização é, assim, uma luta
contra essa ordem injusta que gera o ser menos, ou seja, um ser humano alienado
de sua própria dignidade, reduzido à condição de objeto nas mãos dos
opressores.
Opressão e resistência: a afirmação da humanidade na luta
Se a desumanização é a negação da vocação humana, a
resistência dos oprimidos é sua afirmação. Na luta por justiça e liberdade, os
oprimidos buscam recuperar sua humanidade roubada. Eles reconhecem que são mais
do que as circunstâncias de exploração e opressão que lhes foram impostas. É
nessa luta que se expressa o anseio por uma sociedade mais justa, onde a
dignidade humana seja respeitada e promovida.
A violência dos opressores, ao contrário do que possa
parecer, não é uma expressão natural do poder ou da superioridade. Ela é uma
reação desesperada contra o risco de perder o controle sobre os oprimidos, que
lutam por sua libertação. Ao resistirem, os oprimidos desafiam a lógica
desumanizadora do sistema opressor e afirmam sua capacidade de agir, de mudar e
de transformar o mundo. Através dessa luta, eles se reafirmam como sujeitos da
história, não como objetos passivos da opressão.
A humanização como projeto de libertação
A luta pela humanização é, portanto, um projeto de
libertação, tanto para os oprimidos quanto para os opressores. Ela busca
libertar os primeiros das condições desumanizadoras que lhes foram impostas e
os segundos da lógica da opressão que distorce sua própria vocação humana.
Nesse processo de libertação, o papel da conscientização é fundamental. Os
oprimidos precisam tomar consciência de sua própria condição e da possibilidade
de transformação da realidade, enquanto os opressores precisam reconhecer que
sua humanidade está ligada à capacidade de reconhecer e promover a dignidade
dos outros.
Para Paulo Freire, a educação é um meio poderoso de promover
essa conscientização. Ele propõe uma pedagogia que leve os indivíduos a
refletir sobre sua realidade e a agir sobre ela de forma transformadora. Essa
pedagogia da libertação é, em si, um ato de humanização, pois visa restaurar a
dignidade dos indivíduos e capacitá-los a agir como sujeitos plenos em suas
próprias vidas e na história.
A humanização como destino histórico
A história da humanidade está repleta de momentos de
desumanização, mas também de luta pela recuperação da dignidade perdida. A
opressão e a exploração, embora reais e concretas, não são o destino inevitável
dos seres humanos. A vocação humana é a humanização, e essa vocação se
manifesta na luta dos oprimidos pela liberdade, pela justiça e pela recuperação
de sua humanidade.
A desumanização, mesmo sendo um fato concreto, não é uma
fatalidade. É uma distorção, uma negação do verdadeiro destino humano. O que
nos move é a certeza de que a humanização, mesmo negada, pode ser afirmada na
própria negação. Na luta dos oprimidos pela sua libertação, encontramos a
afirmação dessa vocação histórica, a prova de que os seres humanos não estão
condenados a viver como "seres menos", mas podem lutar e conquistar o
direito de ser mais, de ser plenamente humanos.
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